Dados bancários vindos da Suíça determinantes para investigação a Sócrates

Um acordo assinado entre Portugal e a Suíça, em vigor desde 2013, tem permitido a troca de várias informações relativas a contas detidas por portugueses naquele país.

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A UBS já foi multada nos EUA por ter apoiado esquemas de fraude e evasão fiscal FABRICE COFFRINI/AFP

A recente disponibilidade das autoridades suíças, nomeadamente tributárias, para colaborarem com as autoridades portuguesas foi essencial para o procurador Rosário Teixeira, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, desvendar o circuito do dinheiro que permitia a Sócrates manter uma vida de luxo em Paris, segundo foi noticiado por vários media.

Ao reconstituir o caminho do dinheiro os investigadores terão esbarrado em vários milhões de euros, que segundo o semanário Sol se encontravam depositados em contas no banco suíço UBS em nome de várias offshores que seriam controladas por um amigo de infância do ex-primeiro-ministro, o empresário Carlos Manuel dos Santos Silva. Este, acredita o Ministério Público, serviria como testa-de-ferro de Sócrates, movimentando dinheiro do amigo que terá tido origem em actividades ilícitas, nomeadamente no pagamento de luvas.

Um acordo assinado entre Portugal e a Suíça, ratificado pelo Parlamento português em 2012, e que entrou em vigor em 2013, permitiu a troca de várias informações relativas a contas detidas por portugueses naquele país, explicou ao PÚBLICO fonte da Autoridade Tributária.

O acordo permite a troca de informações para efeitos fiscais, designadamente de confirmação de declarações de rendimentos prestadas por contribuintes nacionais, “mas também para confirmação ou despiste de suspeitas de prática de outro tipo de crimes”, explicou a fonte. E acrescentou: “As autoridades suíças não poderão invocar o sigilo bancário para não prestarem as informações pedidas pela administração fiscal portuguesa”. Tal acontece, realça, pela primeira vez.

Já existia um acordo entre os dois países assinado em 1974, mas com resultados práticos muito reduzidos. Depois de Inglaterra e da Alemanha, Portugal tornou-se o terceiro país da União Europeia a ter um acordo de “última geração” assinado com a Suíça, que terá ajudado o actual Governo no sucesso da terceira amnistia fiscal – o chamado Regime Excepcional de Regularização Tributária III – que permitiu que dinheiro depositado no exterior fosse transferido para Portugal. A legalização do dinheiro custou aos seus titulares uma pequena penalização, ainda assim muito inferior ao que teriam de pagar em impostos, se os tivessem declarado fora deste regime.

Sem referir casos concretos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirma ao PÚBLICO a evolução “claramente positiva” da cooperação internacional entre Portugal e a Suíça, designadamente a “sua maior rapidez”.  Numa resposta escrita enviada ao PÚBLICO, a PGR especifica cinco aspectos que explicam esta evolução, omitindo, contudo, referências ao tal acordo entre as autoridades fiscais, assinado em 2012. O PÚBLICO tentou compreender o motivo da omissão, mas a PGR não prestou mais esclarecimentos.

Na resposta enviada por email, a PGR destaca a alteração do Código de Processo Penal suíço, com entrada em vigor em 2008, que concentrou nos magistrados do Ministério Público as competências para a investigação criminal, mantendo o juiz de instrução com intervenção limitada à imposição de medidas de coacção ou medidas intrusivas, como escutas telefónicas. Refere igualmente a vinculação da Confederação Helvética ao II Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal (1959) e a Convenção de Aplicação dos Acordos de Schengen, a primeira com efeitos a partir de 2005 e a segunda de 2008. Estes acordos permitiram o estabelecimento de contactos directos entre autoridades judiciárias, bem como a transmissão directa de pedidos de auxílio judiciário mútuo.

Destaca-se também a identificação de procuradores especializados, nomeadamente nos cantões franceses, e o estabelecimento de contactos directos com procuradores portugueses, que leva que, por vezes, os magistrados suíços prestem aos colegas “informações espontâneas sobre arguidos investigados perante autoridades portuguesas”.

Por fim, refere-se a possibilidade de recurso à Eurojust, a Unidade Europeia de Cooperação Judiciária, “se se mostrar necessário obter uma execução mais rápida e eficaz dos pedidos”. O PÚBLICO sabe, contudo, que na investigação ao ex-primeiro-ministro não foi necessário pedir qualquer ajuda à Eurojust devido ao sucesso da colaboração directa entre as autoridades judiciárias e tributárias dos dois países.

Há várias décadas que a Suíça é acusada de acolher fortunas que escapam ao fisco nos seus países de origem e de não cooperar com as autoridades fiscais desses Estados como forma de tornar mais atractiva a actividade do seu sistema bancário. Mas, nos últimos anos, para além da pressão sobre a autoridade política, o país viu também muitos dos seus bancos começarem a ser investigados por governos estrangeiros. A UBS será o grupo que mais escândalos protagonizou. Nos Estados Unidos, a UBS já foi multada em cerca de 800 milhões de euros por ter apoiado esquemas de fraude e evasão fiscal e, em França, foi obrigada a depositar uma caução milionária no âmbito de uma acção similar.

Em Abril de 2009, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) incluiu a Suíça numa lista negra de paraísos fiscais não cooperativos, lista que o país conseguiu deixar uns meses mais tarde após assinar 12 acordos bilaterais de troca de informação fiscal, o limiar necessário para ser retirado da lista negra. Mas organizações como a Tax Justice Network insistem que os critérios usados pela OCDE para elaborar a lista negra são "inadequados e ineficazes".

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