Cravos a preço de saldo para comemorar um Abril em crise

No Porto, as comemorações da Revolução levaram os desempregados para a rua... para vender cravos.

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A concorrência voraz deu a volta ao preço dos cravos Fernando Veludo/NFactos

Na noite anterior, o PÚBLICO tinha comprado no mesmo sítio um só cravo pelo mesmo preço. Mas ao início da tarde, a concorrência voraz deu a volta ao preço. Por isso, havia quem garantisse que este foi o primeiro e o último ano dedicado à venda de cravos.

Liliana já é repetente e garante que nunca viu tanta gente a tentar “ganhar um trocos” com a flor símbolo. Outras vendedoras instantâneas, que preferem resguardar o nome, contam o mesmo. Uma delas veio de Famalicão para angariar fundos para um rancho folclórico do concelho. E vendia os cravos a 50 cêntimos. Trouxe 10 molhos e queixava-se, ao início da tarde, que ainda os tinha “quase todos”.

Sentada à sombra, com dois cravos na mão, a actriz Lúcia Maria observava o cenário. Aterrou ocasionalmente este 25 de Abril no Porto, onde está até domingo com o resto do elenco da peça Gil Vicente na Horta. E não podia deixar de, como sempre, festejar Abril. “É uma celebração, mas também um protesto”, resume, ao insistir que não podemos “deixar esquecer os valores de Abril”.

Com uma voz serena, a actriz vai explicando que não se identifica com nenhum partido e que considera muito importantes os movimentos de cidadãos, como o que está a recolher assinaturas na Internet para uma “moção de censura popular ao Governo”. “Precisamos de mais democracia directa e não de democracia representativa. Este sistema político está esgotado”, defende.

Perto está Fernando Augusto, 53 anos, que se identifica como agricultor. Sem muitas palavras, insiste numa mensagem. “Ao ouvir hoje o senhor Presidente da República no discurso oficial na Assembleia da República só lhe faltou dizer uma frase célebre do Salazar: ‘um país que vive com fome é um país invencível’”, afirma, num tom crítico.

Nessa altura ainda os milhares de manifestantes que participavam no protesto organizada pela CGTP marchavam. Pelo percurso habitual que saiu do antigo edifício da PIDE, hoje Museu Militar, até à Avenida dos Aliados. Menos habituais eram os grupos espontâneos que se juntaram ao protesto. Exemplo disso eram os balões negros da APRe! Aposentados, Pensionistas e Reformados, uma associação de âmbito nacional que se assume como laica e apartidária.

Mais a trás, umas dezenas de miúdos e graúdos declamavam palavras de Sofia de Mello Breyner.  Eram o Núcleo de Teatro Oprimido do Porto, um conjunto de vários grupos de teatro comunitário. E entre os habituais pregões de Abril, soavam claras as palavras da escritora no poema Esta gente. “E em frente desta gente/ ignorada e pisada/ como a pedra do chão/ e mais do que a pedra/ humilhada e calcada/ Meu canto se renova/ e recomeço a busca/ de um país liberto/ de uma vida limpa/ E de um tempo justo”. 

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