Correia de Campos concorda com 40 horas semanais, mas “não desta forma abrupta

O ex-ministro socialista considera que o Governo "deixou o país em pantanas" e que merece uma derrota nas autárquicas.

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Correia de Campos foi condenado na sequência das declarações que fez sobre negócio da Bragaparques PEDRO CUNHA

Em entrevista à agência Lusa, Correia de Campos disse que “qualquer corte abrupto” com a realidade social que justificou o horário das 35 horas semanais “é um choque”.

“Era possível fazer essa transição com estudos mais afinados, sobre cada local de trabalho, e como aplicar progressivamente o regime das 40 horas, nomeadamente com incentivos”, afirmou.

Sobre a crise política vivida nas últimas semanas, o ex-ministro da saúde considerou que revelou a forma “chocante como os nossos credores -- apresentados pelo Governo como implacáveis - toleraram esta crise”.

“Ao fim e ao cabo, os nossos credores calaram-se durante as três semanas e, no final, ficaram todos muito satisfeitos”, disse.

Esta atitude demonstrou que “uma negociação forte de um país unido que saiba o que quer negociar com a ‘troika’ produz resultados, porque a ‘troika’ não está disponível para perder Portugal”.

“Seria um imenso desastre para os nossos credores se nos perdessem agora. Eles têm, e vão ter, uma grande complacência”, o que, “até aqui”, não foi aproveitado pelo Governo.

Sobre a nova composição do Governo, com Paulo Portas como vice-primeiro-ministro, Correia de Campos suspeita que este modelo “não lhe vai permitir grandes voos”.

" País em pantanas"

“Vamos ver como Paulo Portas desfralda a bandeira pátria e luta contra esses adversários [troika], entre aspas naturalmente”, declarou.

A propósito das próximas autárquicas, o socialista sublinhou que os candidatos do PSD “estão a tentar que o eleitor escolha mais pelas caras do que pelo partido político”.

“Este Governo deixou o país em pantanas ao longo destes mais de dois anos de governação. Por isso, se tiverem uma pequena ou grande sova nas autárquicas, bem o merecem”.

Critícas à Saúde na mão de privados

O ex-ministro Correia de Campos considera que os grupos privados não têm competência para gerir hospitais públicos porque a sua lógica é “fazer o máximo número de atos possíveis, com boa ou má qualidade, desde que não se note”.

Também na entrevista à Lusa, o ex-ministro da Saúde do governo socialista reagiu, desta forma, à intenção manifestada pelo presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) de gerir os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente consultas, cirurgias e até 80 por cento das camas.

De uma forma progressiva, defendeu Artur Osório, “o Estado deve ir alienando parte do seu sector produtivo para um setor privado concorrencial”.

“Já ouço afirmações dessas há mais de 30 anos e que eu saiba nenhum desses grupos se ofereceu para administrar o Hospital de Santa Maria, os Hospitais Universitários de Coimbra ou sequer o de Viseu”, disse Correia de Campos, para quem estas são “manifestações puramente retóricas”.

Questionado sobre esta hipótese, o ex-ministro considerou que os grupos privados não têm “competência e capacidade” para o fazer. “Ai de nós”, afirmou.

“A lógica da gestão privada nos hospitais não é a lógica do sector público. A lógica da gestão privada é poupar o máximo possível, fazer o máximo número de atos possíveis, com boa ou má qualidade, desde que não se note”, adiantou.

Para António Correia de Campos, “em coisas sérias, vitais, que venham já referenciadas por outros hospitais (...), não é o setor privado que sabe fazer isso, é o público, como sempre”.

Esta gestão dos hospitais privados por grupos privados colocaria ainda “problemas técnicos no pagamento e financiamento dos serviços”, na opinião de Correia de Campos.

“Por que tabelas iríamos pagar esses atos? Se a tecnologia e mão de obra incorporada nos actos mais diferenciados é muito mais dispendiosa do que a aplicada em actos mais corriqueiros, aqui resultaria um enriquecimento da parte dos prestadores dos actos mais rotineiros e um prejuízo imenso os que tivessem a seu cargo os actos mais difíceis”.

A isto, disse, “chama-se desnatação. Como é muito fácil induzir procura no sector da saúde, haveria sempre alguém, ou uma peça exterior ou interior ao sistema, que desnataria os atos mais simples para o sector privado, deixando a nata para o sector privado e os detritos para o sector público”.