Confiar na Justiça?
Sócrates não está condenado e já foi exposto ao pelourinho.
Execuções públicas, autos de fé, pelourinhos e outros nauseabundos momentos de barbárie, para servir o poder ou como castigo, foram banidos no processo civilizacional.
O pelourinho era na praça. Na praça se exibiam os condenados para gáudio de todos. Hoje, o novo pelourinho é a comunicação social, porque ela é a praça global.
Ora, expor condenados no pelourinho é inevitável, já que o crime, num mundo comunicacional, deixou de estar confinado às salas de Justiça e é, por força da vida, comentado à exaustão. Nem poderá ser de outra forma.
Também por causa disso as leis foram limitando o poder arbitrário dos agentes da lei, tendo especial cuidado em limitar as situações em que alguém pode ser exposto ao opróbrio público.
Todos se presumem inocentes até prova em contrário e os agentes da Justiça têm de ter especial recato antes de exporem alguém ao pelourinho. E, se isso é válido para todos, deveria ainda ser mais válido para alguém que teve ou tem na opinião pública uma presença que significou a representação de muitos milhares de portugueses.
Independentemente de se concordar ou discordar de um primeiro-ministro (ou ex), ele é um símbolo do país. E se, sendo condenado, deve ser objeto de especial censura, até esse momento toda a exposição é a evitar, já que não é só a personalidade do próprio, mas a imagem do país em causa.
O que aconteceu com o circo montado em volta de José Sócrates faz medo e faz pensar. Sócrates não está condenado e já foi exposto ao pelourinho. Mais, aparentemente o regresso à barbárie faz parte dos atuais cânones e estratégias judiciárias. Mais, permitir fugas de informação não é crime?
Um ministro demitiu-se no processo dos vistos para não afetar a sua autoridade. Perante as reiteradas fugas ao segredo de justiça não será ninguém responsável? Não deveria o vértice do sistema assumir o incumprimento e ser responsável?
Mais, há fundadas dúvidas se, na detenção do ex-primeiro-ministro, a lei, muito restritiva quanto à perda da liberdade, foi cumprida. Se, como espero, Sócrates for ilibado, quem responderá por tudo o que de desnecessário, humilhante e circense aconteceu?
Sou amigo de José Sócrates e a última coisa que gostaria era que se confirmassem as supostas razões pelas quais foi detido.
Mas, independentemente do que acontecer, uma dúvida tenho: como posso confiar numa Justiça espetáculo, que exibe alguém em pelourinho sem estar condenado, viola sistematicamente a lei do segredo de justiça, não respeita as leis que lhe limitam o pôr em causa direitos individuais e, no caso, se está rigorosamente a marimbar para o prestígio do país? Se alguém pensa que Portugal vai bem no filme, desenganem-se.
É urgente coragem e é urgente refletir.
A separação de poderes não pode ser cobardia. A independência dos magistrados não pode ser autocracia.
Os muitos atores da Justiça que não se reveem nesta “casa dos segredos” em que se transformou tudo isto devem agir para prevenir o futuro e nos devolverem a liberdade – que está em causa.
Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos e do Fórum Europeu de Segurança Urbana