CDS tenta disfarçar incómodo com livro de Passos Coelho

Numa biografia autorizada lançada esta terça-feira, o líder do PSD afirma que soube da demissão de Paulo Portas em 2013 por sms. Uma versão contrariada por fonte centrista. A forma como Cavaco Silva geriu a crise política da altura também causou "estranheza" no PSD.

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Daniel Rocha

Na biografia de Passos Coelho intitulada Somos o que escolhemos, da autoria da assessora do PSD Sofia Aureliano, lançada ontem, o primeiro-ministro revela que Paulo Portas “se demitiu por sms” do cargo de ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros por ser contra a nomeação de Maria Luís Albuquerque para ministra das Finanças.

O gabinete de Paulo Portas desvaloriza o assunto, mas esclarece que o pedido de demissão aconteceu de manhã e foi “naturalmente formalizado por carta”. “O dr. Paulo Portas não falou com a autora do livro, pelo que admite que a mesma tenha incorrido num lapso a que não atribui importância”, acrescenta a nota de imprensa enviada à hora de jantar de terça-feira.

Durante o dia de terça-feira, entre as recusas em comentar o conteúdo do livro, os centristas confessaram achar estranho o momento das revelações. Passaram dez dias da assinatura do compromisso de coligação entre Passos e Portas. Um dirigente centrista questiona: “E se isto se soubesse no 24 de Abril?”.

Mais contundente foi Diogo Feio, vice-presidente do CDS: “Era bom que o livro dissesse de que forma o primeiro-ministro informou Paulo Portas sobre o nome da nova ministra das Finanças”. Essa informação foi dada por sms dias antes da demissão de Paulo Portas, segundo notícias publicadas na altura.

O comentário de Diogo Feio é isolado, já que os centristas parecem não querer estragar o ambiente da coligação recém-renovada.  

No PSD, o tom também é de desvalorização. Os sociais-democratas lembram que o livro estava a ser preparado há meses. Nos dois partidos sobram perguntas sobre a razão que levou Passos Coelho a autorizar estas revelações nesta altura. Ainda para mais quando as direcções estão empenhadas em mostrar um entrosamento dos partidos a nível local.

Certo é que na sessão de lançamento do livro, ao fim da tarde, não estava presente nenhum dirigente ou rosto conhecido do CDS, e mesmo do PSD apenas marcaram presença o comissário europeu Carlos Moedas (que apresentou a obra), o ministro Nuno Crato e o líder parlamentar, Luís Montenegro.     


Portas admite tratar-se de "um lapso"
O vice-primeiro-ministro, que se encontra na Colômbia para participar em mais uma reunião da comissão bilateral com Portugal, manteve-se fiel ao princípio de não comentar no estrangeiro incidências da vida política portuguesa.

No entanto, fonte centrista afirmou ao PÚBLICO que Paulo Portas não valoriza a questão, pelo que não a vai comentar aquando do seu regresso a Lisboa. “Há coisas mais importantes”, justificou a mesma fonte.

Aquele informador destacou, contudo, que a demissão de Portas como ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros foi apresentada na manhã do dia 2 de Julho e formalizada por carta. O facto de agora ser apresentada outra versão do sucedido é explicado pelo facto de Paulo Portas nunca ter falado com a autora do livro, motivo pelo qual o vice-presidente do Governo de Passos Coelho admite tratar-se de um lapso.

A diferença de versões não é de agora. Naquela semana crítica de Julho de 2013 foram publicadas notícias que dão conta de que Portas e Passos Coelho se reuniram em S. Bento na terça-feira 2 de Julho, de manhã, dia em que foi conhecido o pedido de demissão do líder do CDS do Governo. Segundo a edição do Expresso dessa semana, essa conversa a dois teria terminado com o pedido de demissão.

Segundo a mesma notícia, que dá conta do "relato que Portas fez ao seu inner circle", Passos Coelho falou com o líder centrista no dia 29 de Junho sobre a escolha de Maria Luís Albuquerque para substituir Vítor Gaspar no Ministério das Finanças – cuja demissão estava já nas mãos do primeiro-ministro, apesar de só ter sido divulgada a 1 de Julho. Nesse sábado 29, Portas terá discordado da escolha e pediu a Passos que adiasse a remodelação para depois do congresso do CDS, marcado para esse mês.
 
Nesse mesmo dia o então ministro dos Negócios Estrangeiros viajou para o Bahrain e quando voltou, na segunda-feira, dia 1, tinha um sms do primeiro-ministro a informá-lo que já tinha informado o Presidente da República de que Maria Luís iria substituir Vítor Gaspar. No dia seguinte é recebido em S. Bento por Passos Coelho de manhã e já não vai à tomada de posse da nova ministra das Finanças, às 17h. A sua demissão é divulgada cerca de uma hora antes da cerimónia.

O livro também refere esse encontro a dois na residência oficial, na manhã do dia 2. Segundo o relato, Paulo Portas "afirmou não estar confortável" com a escolha de Maria Luís Albuquerque porque isso "significaria que Passos Coelho continuaria a ser informalmente o ministro das Finanças".

E prossegue: "Quando Paulo Portas saíu de S. Bento, Pedro Passos Coelho estava longe de equacionar o cenário que se seguia. 'Fui almoçar e quando ia a caminho da comissão permanente, às 15 horas, recebi uma sms do dr. Paulo Portas a dizer que tinha reflectido muito e que se ia demitir'".

Estranheza com a posição de Cavaco Silva
No mesmo capítulo da biografia autorizada, há também referências à "estranheza" em relação à forma como Cavaco Silva geriu a crise no Governo. Depois de Passos Coelho ter tornado revogável a demissão de Paulo Portas, fazendo-o subir a vice-primeiro-ministro e fazendo uma remodelação no Governo indo ao encontro das reivindicações do CDS, o Presidente da República impôs aos partidos da coligação uma tentativa de entendimento com o PS liderado por António José Seguro.

Segundo o próprio Passos Coelho afirma no livro, o Presidente "disse que não procederia a qualquer mexida no governo, não empossaria um novo ministro, enquanto os partidos não assumissem o desafio de atingir um entendimento". A autora afirma que essa tentativa causava "estranheza", uma vez que Seguro "já tinha deixado bem claro que não aceitaria qualquer negociação. E acrescenta: "Cavaco Silva deixou o governo em banho-maria durante os vinte dias de estéril negociação" com o PS, "cujo desfecho era, desde o início, absolutamente previsível".

Na Noruega, onde se encontra em visita oficial, o Presidente da República remeteu para o ano a sua própria versão dos acontecimentos. "Só escreverei as minhas memórias depois de 9 de Março de 2016", respondeu aos jornalistas, referindo-se à tradicional data da tomada de posse do futuro Chefe de Estado, que deverá ser eleito em Janeiro próximo.

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