Cavaco acusa Sócrates de falta de lealdade histórica
O Presidente da República, Cavaco Silva, acusa José Sócrates de “uma falta de lealdade institucional que ficará registada na história da nossa democracia” ao não lhe ter dado previamente conhecimento do anúncio do Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC) IV que levou a eleições antecipadas, depois de ter sido chumbado no Parlamento. O PS já reagiu entretanto nesta sexta-feira de manhã, pela voz do ex-ministro Pedro Silva Pereira, que acusa Cavaco Silva de ser o campeão da deslealdade institucional, aludindo ao caso das alegadas escutas do Governo a Belém.
No Prefácio do livro “Presidente da República no livro de intervenções ‘Roteiros VI’” , divulgado já no final da noite desta quinta-feira no site da presidência da República, Cavaco Silva lembra de forma detalhada e longa os alertas que fez para a crise que se adivinhava e volta a lançar fortes críticas ao antigo primeiro-ministro.
“O anúncio do ‘PEC IV’ apanhou-me de surpresa. O Primeiro-Ministro não me deu conhecimento prévio do programa, nem me tinha dado conta das medidas de austeridade orçamental que o Governo estava a preparar e da sua imprescindibilidade para atingir as metas do défice público previstas para 2011, 2012 e 2013. Pelo contrário, a informação que me era fornecida referia uma situação muito positiva relativamente à execução orçamental nos primeiros meses do ano”, afirma Cavaco Silva.
O Primeiro-Ministro, acrescenta, “não informou previamente o Presidente da República da apresentação do Programa de Estabilidade e Crescimento às instituições comunitárias”.
“Tratou-se de uma falta de lealdade institucional que ficará registada na história da nossa democracia. O Presidente da República, nos termos constitucionais, deve ser informado acerca de assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do País”, acusa.
Para o Presidente da República, esta atitude “contrastou de forma flagrante com aquela que o Governo tinha adoptado meses antes, no processo de aprovação do Orçamento para 2011”
“ Logo a seguir às férias do verão, o Primeiro-Ministro começou a informar-me, com algum detalhe, sobre as intenções do Governo e sobre as dificuldades que poderiam surgir nas negociações com os partidos da oposição, em particular com o PSD. Foi-me assim possível, durante cerca de dois meses, acompanhar de perto as questões políticas e financeiras relacionadas com a aprovação do Orçamento, desenvolver contactos com dirigentes partidários, apoiar as negociações e favorecer os entendimentos”, lembra
Assim, diz, “conseguiu evitar-se a ocorrência de uma crise política que, a precipitar-se naquela altura, seria particularmente grave, uma vez que, nos termos da Constituição, me encontrava impedido de dissolver a Assembleia da República e convocar novas eleições”.
Cavaco Silva lembra que, no processo de aprovação do Orçamento para 2011, “estando devidamente informado das questões em aberto e dos pontos sob controvérsia”, pode actuar de modo a estimular as negociações em curso, respeitando o quadro de competências que a Constituição lhe atribui.
“Nesse sentido, convoquei o Conselho de Estado para o dia 29 de Outubro de 2010, tendo, no final dessa reunião, feito uma comunicação ao País em que realcei que os conselheiros de Estado ‘se pronunciaram no sentido de o Governo e os partidos representados na Assembleia da República realizarem um esforço adicional para chegar a um compromisso tão rapidamente quanto possível’ para a aprovação do Orçamento”, acrescenta.
Para o Presidente “não restava a mínima dúvida para qualquer observador atento que a situação criada em 11 Março de 2011 tinha contornos completamente distintos”.
“ Não tendo sido informado previamente sobre o conteúdo ou sequer a existência do ‘PEC IV’, o Presidente foi impedido de exercer a sua magistratura de influência com vista a evitar o deflagrar de uma crise política. Em pouquíssimos dias, a crise acabaria por se precipitar a uma velocidade vertiginosa, tendo um desfecho previsível. Em face da rejeição do ‘PEC IV’ pela Assembleia da República, o Primeiro-Ministro apresentou-me a sua demissão, no dia 23 de Março, por considerar que não dispunha de condições políticas para se manter em funções”, lembra.
“Sem perder tempo”, acrescenta, “convoquei os partidos políticos com representação parlamentar, que recebi em audiência dois dias depois da demissão do Primeiro-Ministro”.
“Todos os partidos expressaram a opinião de que, naquele quadro parlamentar, não era possível gerar outra solução governativa com condições para enfrentar os problemas do País e defenderam a dissolução da Assembleia da República e a realização de eleições legislativas. (…) Decidi, assim, actuar com determinação e celeridade, desencadeando o processo de dissolução da Assembleia da República, ouvindo o Conselho de Estado – que, por unanimidade, se pronunciou favoravelmente à dissolução parlamentar e à realização de eleições – e, no final, convocando os Portugueses para um novo sufrágio”, recorda.