BES não teve "situação de privilégio" durante governo Sócrates, diz Teixeira dos Santos

Audições continuam no Parlamento. Esta manhã está a ser ouvido o ex-ministro das Finanças socialista. Relator da comissão é Pedro Saraiva do PSD.

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O ex-ministro, responsável, no final de 2008, pela nacionalização do Banco Português de Negócios (BPN) e pela liquidação do Banco Privado Português (BPP), explicou que o principal parceiro financeiro do governo de José Sócrates, nomeadamente, nas Parcerias Público-Privadas, era o Banco Europeu de Investimento (BEI), a Caixa Geral de Depósitos (CGD), o Banco Comercial Português (BCP) e só a seguir vinha o BES e o Banco Português de Investimento (BPI). "Nunca tive conhecimento de qualquer lobby especial para que o BES fosse envolvido em negócios", com o Estado, garantiu.

E acredita que "para o banco bom", o Novo Banco, até terão ido os créditos relacionados com as parcerias do BES com o Estado. "Não está aí a raiz dos problemas" do banco que ocupou durante uma década a segunda posição no mercado português. Para Teixeira dos Santos, o que aconteceu no BES, em todas as suas componentes, descontrolo financeiro e ilicitudes, "constitui uma surpresa" face "à imagem que possuía" da instituição. E considera que o BES foi prejudicado com a crise da dívida soberana, da mesma maneira que o BCP, a CGD ou o BPI.

"Não vou opinar sobre isso", começou por dizer Teixeira dos Santos quando inquirido pela deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, se achava possível que o Banco de Portugal (BdP) tenha decidido resgatar o BES, via Fundo de Resolução, sem a intervenção directa do Governo, e da ministra das Finanças. De seguida, e depois recorrendo à lei – e aos ensinamentos da falência do BPN –, o ex-ministro explicou que a legislação atribui grande poder ao membro do Governo com o pelouro das Finanças em matéria de intervenção em bancos, sempre depois de ouvir o BdP, isto, caso entenda que a situação coloca em risco o sistema financeiro. 

Teixeira dos Santos recorda, ainda assim, que não compete ao Ministério das Finanças fazer a supervisão da banca, mas aos outros reguladores e, enquanto ex-responsável pela pasta das Finanças, "nunca" lhe foi comunicada, por parte dos supervisores, a "detecção de problema que pudesse merecer preocupação". Em matéria fiscal, soube que o BES estava envolvido, bem como outros bancos [BCP e BPN], na Operação Furacão".   

"Devo dizer e recordar que é segredo fiscal, e eu como ministro procurei não saber de detalhes de informações fiscais para não influenciar decisões governativas. Há a administração fiscal para tratar desses assuntos." Nessa matéria, "estou em pé de igualdade com o comum cidadão" e "não sei se o BES foi condenado ou não", acrescentou.

Queda do governo não pode ser atribuída ao BES
"Pela vivência que eu tive, as dificuldades que tivemos com a crise de dívida pública, o dr. Ricardo Salgado contribuiu muito pouco para a crise da dívida soberana. E a queda do governo [de José Sócrates] não pode ser atribuída ao BES e ao dr. Ricardo Salgado. Podem atribuir ao dr. Ricardo Salgado grandes poderes, mas a democracia continua robusta e continua a funcionar."

"Esta comissão, mais do que assacar responsabilidades a este ou aquele", precisa de sinalizar que "algo vai mudar", disse ainda o ex-ministro. "Não quero ser protagonista do passado", avisou Teixeira dos Santos, explicando que as interpretações de quaisquer sugestões que fizesse poderiam "ser inquinadas" pela condição de membro do Executivo anterior. Os protagonistas "devem ser os supervisores e o Governo."

O CDS-PP recordou aTeixeira dos Santos que o âmbito da comissão de inquérito vai de 2008 a 2014, e que as irregularidades no GES e BES, de ocultação de contas e de prejuízos, começaram em 2008, quando Teixeira dos Santos tutelava a pasta das Finanças. A deputada do CDS Cecília Meireles questionou: "O BES era um caso excepcional?" E recebeu a resposta: "Naquele fase, olhei para algumas instituições que poderiam causar problemas, mas o BES não foi motivo de especial preocupação." E o ex-governante lembrou que "não cabe ao ministro detectar ocultação de contas" e que é a supervisão que deve "detectar ou tomar conhecimento da ocultação de prejuízos". Neste último caso [de manipulação das contas], cabe aos auditores apurar factos desta natureza. Teixeira dos Santos acrescentou que, após apuradas  e comunicar as "ilegalidades" ao ministro das Finanças.

PCP em defesa de Teixeira dos Santos
O PCP observou que a forma como os partidos do actual Governo, PSD e CDS-PP, estão a insinuar que o ministro das Finanças entre 2008 e 2011 teria conhecimento da manipulação das contas do grupo liderado por Ricardo Salgado [processo que começou em 2008] "é o reconhecimento pleno de que esta ministra das Finanças tinha por obrigação saber o que se passava no BES". O deputado comunista Miguel Tiago perguntou se era razoável acreditar "que a ministra das Finanças não soubesse de nada?"

Teixeira dos Santos lembrou que "a decisão de nacionalizar o BPN foi tomada em articulação estreita com o BdP". "Mas pude constatar que o quadro legal em Julho não permitia a solução do Fundo de Resolução" e "houve dois decretos-lei que tiveram de ser aprovados de forma secreta e urgente pelo Governo [para permitir avançar com o Fundo de Resolução]. E para o BdP avançar como avançou precisou da colaboração do Governo. É óbvio pela necessidade que o Governo teve de legislar, e para legislar teve de saber o que se passava."

O ex-ministro evocou a sua "experiência" governativa para defender: "Tendo como preocupação assegurar a estabilidade do sistema financeiro, [os ministros das Finanças] devem acompanhar e estabelecer pontes de diálogo, neste caso com o BdP." Mais: a estabilidade e confiança no sector financeiro "é uma obrigação do Governo. Ora, havendo risco para a sua estabilidade e à luz da informação prestada por quem está no terreno", o responsável pela pasta das Finanças deve actuar. 

O deputado do PCP recordou que a ministra Maria Luís Albuquerque foi ao Parlamento, de forma repetida, garantir que o BES estava sólido, quando já tinha informação sobre a situação problemática do banco e concluiu que a ministra "ou mentiu" ou "ocultaram-lhe informação". Teixeira dos Santos respondeu: "Não acredito que a este nível de responsabilidade se minta." Afinal, "os problemas financeiros do país, não são apenas do ministro das Finanças, são também do primeiro-ministro." Contudo, reconhece que, "se alguém quiser enganar o supervisor, engana. E esconde."

Relator da comissão é Pedro Saraiva
Pedro Saraiva, deputado do PSD, é a proposta da maioria para ser o relator da comissão de inquérito parlamentar à gestão do GES e do BES. Licenciado em Engenharia Química pela Universidade de Coimbra, doutorou-se nos EUA, na mesma área, no MIT. Saraiva foi votado com a abstenção do PS e os votos contra do PCP e do BE, que propuseram candidaturas autónomas.

Pedro Saraiva referiu que, apesar de representar o PSD, é "um beirão com pensamento próprio", que das funções que vai desempenhar faz uma "leitura de acréscimo de obrigações, sem decréscimo de obrigações". E que espera que as conclusões da comissão de inquérito sejam "consensuais" e "isentas". Nesta comissão, "mais do que assacar responsabilidades a este ou aquele, é preciso sinalizar aos cidadãos que algo vai mudar".

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