Ricardo Salgado e administradores do BES são acusados em quatro processos pelo Banco de Portugal
Audição de Carlos Costa e Pedro Duarte Neves durou perto de 12 horas. Mas enquanto os dois responsáveis falavam no Parlamento, o regulador do sistema financeiro avançava com as esperadas acusações no caso BES. Os deputados foram recolhendo algumas revelações, mas não sobre estes processos agora abertos.
Na origem da decisão do BdP de processar os ex-gestores, estão relatórios internos e externos de inspecções realizadas nos últimos meses à actividade do BES (antes da falência) e que identificaram operações com contornos ilícitos: a ligação descontrolada ao BES Angola (BESA), com eventuais práticas de branqueamento de capitais; colocação de divida da Espírito Santo International (ESI), a holding falida, junto de clientes retalho dos bancos do grupo; esquema oculto considerado fraudulento envolvendo a emissão de obrigações, com promessa de recompra, por intermédio dos veículos suíços Eurofins; não-cumprimento das recomendações do BdP, já depois da renúncia de Salgado mas durante o período em que esteve em funções.
É disto exemplo a constituição à revelia das orientações do BdP de uma garantia de 267 milhões de euros dada pelo BES, em favor de empresas venezuelanas para assegurar o reembolso da dívida de empresas do GES subscrita pela petrolífera estatal venezuelana.
A instauração das contra-ordenações do BdP é revelada antes dos relatórios forenses estarem concluídos e serem enviados para o Ministério Público, e numa altura em que o parlamento se prepara para chamar 124 responsáveis, entre outros, governantes, supervisores, auditores e ex-gestores.
A Comissão de Inquérito, presidida pelo deputado social-democrata Fernando Negrão, inquiriu esta segunda-feira Carlos Costa, que começou por explicar que o BdP interveio no BES num clima de "grande urgência, sublinho de grande urgência" para salvaguardar os depósitos e a solidez do sistema financeiro.
"Foi necessário equacionar a única medida de contingência exequível num curto espaço de tempo: a medida da resolução, que era a única solução que permitia manter a maior parte da actividade do BES, acautelar a segurança dos depósítos, assegurar o crédito à economia, prevenir o risco sistémico, salvaguardar os interesses dos contribuintes". Era uma "espada que tínhamos sobre o nosso pescoço, que eram poucas horas. Imaginem que falhávamos a resolução do banco? O risco que nós corríamos era grande."
Já o eventual recurso à linha de recapitalização da troika (empréstimo ou entrada do Estado) "não é uma iniciativa do BdP", mas "política". A 1 de Agosto "só tínhamos duas soluções: resolução ou liquidação", disse. E "só podemos desencadear o plano B quando o A passou a ser impossível. E isso só aconteceu quando o Conselho de Administração do BES anunciou que não conseguia em tempo útil elaborar um plano de capitalização".
O governador lembrou que "um grupo de quadros do BdP trabalhou" ao longo de muitos meses "como escravos" para "que isso [colapso] não acontecesse". E "tal como eu, ficaram desiludidos", frisou.
A decisão de manter a administração de Salgado em funções "teve alguma coisa a ver com o fim do programa de ajustamento e com a saída limpa, para evitar que se soubesse externamente o estado em que o banco estava?", foi uma pergunta do PS a que Carlos Costa respondeu negativamente.
Seis horas de audição
A audição a Carlos Costa, que começou passava pouco das 9h00 e se prolongou até às 17h00 (com duas horas para almoço), ficou ainda marcada por muitas perguntas de todos as bancadas. O PSD observou que "tanto conselho nacional, tanta auditoria , tanta versatilidade, mas o resultado não parece ter sido muito diferente do caso BPN." O governador ja antes tinha reconhecido que "o BdP não tem a pretensão da infalibilidade e retirará ilações da avaliação deste caso."
A acção da supervisão ao BES, que resultou na impossibilidade de detectar as ilegalidades atempadamente e culminou na sua falência a 3 de Agosto, mereceu o comentário do PSD: "Está aqui a dar uma confissão: a supervisão só funciona quando não há crime, ou seja, quando não é precisa. É um absurdo!" "Falhámos? Sim, mas não foi por falta de conceito e de visão. Tínhamos calculado e medido os risco. Fomos pacientes. Mas falhámos porque houve um acidente. Foi nossa culpa? Não foi nossa culpa.”
Ao fim de mais de 12 horas, a comissão ainda vivia momentos animados. Foi só no fim, e por “curiosidade” irónica, que a deputada do BE, Mariana Mortágua questionou o vice-Governador, Pedro Duarte Neves, pela famosa empresa do GES, a ESCOM, que até ao momento passara despercebida nas duas audições: “Onde é que pára a Escom?”, perguntou. Toda a gente na sala sorriu. “Finalmente, aleluia!”, gracejou José Magalhães, do PS.
Pedro Nuno Santos, João Galamba e Filipe Neto Brandão, do PS, já haviam questionado os responsáveis do Banco de Portugal sobre o tema que dominou o dia: o que levou o BdP a manter Ricardo Salgado em funções quando, nitidamente, tinha indícios sobre a má gestão do GES suficientes para o retirar das funções de gestão (ver texto ao lado).
Mas esta comissão ficou marcada por uma pouco frequente colaboração de todos os grupos parlamentares. Houve, de facto, uma sequência nas questões, sem que fossem visíveis as (naturais) preocupações partidárias específicas. Os partidos da maioria não foram menos contundentes que os da oposição nas suas questões a Carlos Costa. Uma mudança na forma como Carlos Costa costuma ser recebido no Parlamento.
Depois da Comissão de Inquérito ter recebido o governador, Carlos Costa, e o vice-governador, Pedro Duarte Neves, do BdP, esta terça-feira será a vez de mais dois supervisores se apresentarem em São Bento: Carlos Tavares, da Comissão de Mercado de Valores Mobiliarios e José Almaça, do Instituto de Seguros de Portugal.