As manifestações atípicas ainda estão “dentro dos limites” da democracia
Portugal estará em 2014 mais vulnerável a episódios de agitação social, diz um estudo internacional. Politólogos consideram que a contestação deste ano ainda está “controlada” por ser organizada por sindicatos.
A previsão é do Economist Intelligence Unit (EIU), um think tank independente do grupo da revista Economist que se dedica à pesquisa, previsão e análise económica, que coloca Portugal no grupo dos países com “alto risco” de agitação social no próximo ano, quando há cinco anos tinha uma classificação de “risco moderado”.
De um total de 150 países analisados, Portugal está entre os 46 em que o risco de existirem tumultos e protestos em 2014 é alto, havendo depois 19 Estados com “muito alto risco” de terem protestos problemáticos nas ruas.
Na Primavera de 2009, quando os analistas do EIU fizeram a anterior edição do estudo com os mesmos países, Portugal estava no grupo dos que tinham um risco moderado de instabilidade política e social. Mas a realidade portuguesa era também muito diferente nessa altura. Estava-se em ano de eleições - europeias em Maio, legislativas em Setembro e autárquicas em Outubro -, houve aumentos para a função pública e no salário mínimo, e o país observava com alguma distância as consequências da crise do subprime nos Estados Unidos. A crise da Zona Euro só começaria no final de 2009.
Agora, tal como Portugal, há mais 18 países nos grupos de alto risco, que já contam com 65 Estados. O Médio Oriente, Norte de África, Europa do Sul e os Balcãs estarão “particularmente vulneráveis”, aponta o estudo.
De acordo com Laza Kekic, do EIU, ainda que os problemas económicos sejam sempre um pré-requisito para os protestos, não explicam toda a explosão da contestação. “A redução nos rendimentos e a alta taxa de desemprego nem sempre resultam em agitação social. Só quando os problemas económicos são acompanhados por outros elementos de vulnerabilidade há um alto risco de instabilidade. Tais factores incluem uma grande desigualdade nos rendimentos, um governo fraco, baixos níveis de apoio social, tensões étnicas e um historial de violência e desordem pública. Recentemente, a faísca para os tumultos tem sido a erosão da confiança nos governos e nas instituições: a crise da democracia”, afirma a Economist citando Laza Kekic.
"Encenações e happenings"?
Portugal assistiu este ano a um aumento de acções de protesto atípicas, como as grandoladas e as invasões de ministérios, mas sem detenções ou episódios de violência como em 2012. O que demonstra, segundo o politólogo José Adelino Maltês, que os protestos são “encenações e happenings” organizados com o intuito de aparecerem nas notícias, e que ainda estão “dentro dos limites da democracia”. Portugal viveu um ano “extremamente cordato” numa “teatrocracia”, onde impera a “estética neo-realista” e que mostra que “a democracia está forte”.
Disso são exemplos as manifestações onde “não há sinais de insurreição”, as supostas “invasões de ministérios” que foram, afinal “ocupações controladas, planeadas com antecedência, numa espécie de blitzkrieg da CGTP para dizer que tem força e capacidade de mobilização”, considera Adelino Maltês. Outro caso é o do braço-de-ferro entre o Governo e a central sindical liderada por Arménio Carlos, que insistiu em fazer uma manifestação atravessando a Ponte 25 de Abril e que acabou por a desconvocar e substituir por uma concentração em Alcântara.
António Costa Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais, considera que a imaginação demonstrada na variedade dos protestos advém da multiplicidade de cidadãos atingidos pelas medidas de austeridade. Além disso, “há segmentos da sociedade para quem os instrumentos tradicionais de protestos já não são eficazes”. Por exemplo: como é que um desempregado pode fazer greve? Daí o recurso a métodos alternativos como a invasão de ministérios, que serviu para dar voz, durante umas horas, às reivindicações específicas dos enfermeiros que não queriam sair da entrada do Ministério da Saúde.
Ausência de extremistas organizados
Não há mais casos como o da invasão da escadaria do Parlamento, na manifestação das forças de segurança, em que aparentemente a situação quase saiu do controlo, porque os protestos são organizados pelos sindicatos e não por grupos radicais. “Quanto maior for o enquadramento dos protestos pelo movimento sindical, menor é a violência”, defende António Costa Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais. “Temos uma extrema-esquerda que não tem representação, e não há fascistas suficientemente organizados para conseguirem fazer uma manifestação”, acrescenta Adelino Maltês.
Porém, enquanto Adelino Maltês desvaloriza a importância da voz de Mário Soares, que nos dois encontros da Aula Magna avisava que vem aí violência e que a culpa é do Governo e de Cavaco Silva, Costa Pinto considera que ter um antigo chefe de Estado a falar assim, “dá alguma cobertura para acções eventualmente violentas”.
Na Primavera, além dos deputados, do primeiro-ministro e do ministro Paulo Portas no Parlamento, também diversos ministros como Miguel Relvas, Paulo Macedo ou Paula Teixeira da Cruz foram brindados com a canção Grândola, Vila Morena entoada em várias ocasiões.
A 26 de Novembro, depois da manifestação contra a aprovação do Orçamento do Estado para 2014, grupos de sindicalistas da CGTP invadiram, à tarde, os ministérios das Finanças, Saúde, Educação e Ambiente, exigindo reuniões com os ministros sobre medidas de cortes sectoriais. Só alguns foram atendidos. Os protestos nas galerias do Parlamento deram origem a 60 autos até ao início de Dezembro, como o PÚBLICO noticiou, mas apenas se conhece um processo contra um cidadão de Leiria, já que o Ministério Público não revela o que fez aos autos.
De acordo com os dados mais recentes da Direcção Nacional da PSP, de Janeiro até 4 de Novembro foram contabilizadas 1477 manifestações por todo o país, sendo mais de metade em Lisboa (843) – com o destino principal a ser a AR -, 191 no Porto e 69 em Setúbal. Este valor representa quase metade das 3012 manifestações do ano passado contabilizadas pelo Relatório Anual de Segurança Interna.