APRe! acusa Governo de "roubo legalizado" e "definitivo"
Maria do Rosário Gama, directora da associação de Aposentados, Reformados e Pensionistas, apela à "força do eleitorado" já nas eleições europeias,, como forma de protesto.
“Estamos fartos daquilo que está acontecer – trata-se de um “roubo legalizado nunca antes visto em democracia”, disse a convidada de honra de mais um AAA (Almoços Animados Ânimo), Maria do Rosário Gama, directora da APRe!, que considerou a austeridade um “ataque ao Estado social”, com consequências nefastas para a democracia.
O alargamento da CES (Contribuição Extraordinária de Solidariedade) proposta pelo Governo para compensar o buraco orçamental de 388 milhões de euros – resultante do chumbo do Tribunal Constitucional (TC) da convergência das pensões – é um “roubo institucionalizado e organizado”, disse a representante da APRe!, que já interpôs duas providências cautelares para contestar a medida.
“É um caso de polícia, estamos a ser roubados”, disse, lamentando o facto de o TC “deixar sempre a porta aberta para qualquer coisa”. Se o Orçamento Rectificativo for aprovado tal como está, teme que vão surgir casos de viúvos que vão ser alvo de dois cortes nas pensões. No entanto, a maioria já veio dizer que irá clarificar a norma para que tal não aconteça.
Para a representante da APRe! existe uma “névoa de quatro pessoas [membros do Governo], que estão a transformar a CES numa medida definitiva”. E questiona: “Com que direito é que o Governo assusta as pessoas desta maneira? Não foi para isto que lutámos pela justiça social”, contestou.
E crítica acesamente os dois centristas que estão no Governo, o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas e o ministro da Solidariedade e da Segurança Social, Pedro Mota Soares: “Deviam ter vergonha quando dizem que os cortes não afectam”. “Não aceitamos ser taxados por mais um imposto extraordinário [CES], é uma taxa paga sem retorno”. “Os vampiros espreitam disfarçados de Troika, Passos e Portas”, acusou.
"Máxima do Governo: dividir para reinar"
Maria do Rosário Gama lembrou as conquistas da democracia: “Abril abriu expectativas e mitigou desigualdades”, conquistas que teme estarem em risco. Verifica-se na sociedade portuguesa “uma divisão brutal entre jovens e velhos, trabalhadores e não trabalhadores, reformados da segurança social e reformados da Caixa Geral de Aposentações”, naquilo que a dirigente considera ser a máxima deste Executivo: “Dividir para reinar”
A representante da associação contestou também o facto de o Governo alegar que o peso dos pensionistas corresponde a 70% da despesa pública. “As pensões são pagas em regime contributivo, não vem dinheiro do orçamento para pagar pensões, estas resultam das contribuições de quem está no activo”, respondeu.
Para garantir a sustentabilidade da Segurança Social, defendeu que “é urgente criar uma solidariedade inter-geracional que ajude a pagar a factura”. A professora de Biologia na reformada salientou que a confiança dos cidadãos nas instituições está a diminuir e que a família está “debaixo de um tsunami”: “As famílias são a segurança social dos filhos e dos netos, os avós são o sustento dos mais novos”, disse.
A directora da associação retractou situações difíceis de idosos que se vêem obrigados a abandonar os lares por não terem dinheiro para continuar na instituição que escolheram antes de verem as pensões cortadas. Mas também há notícia de casos em que são as famílias que, não tendo outro rendimento, vão buscar os idosos dos lares para casa.
Segundo Maria do Rosário Gama, a APREe! está a desenvolver formas de luta a vários níveis: através dos tribunais, do voto, das manifestações, e da tentativa de entrar no Conselho Económico e Social.
No entanto, considera o voto a via de protesto mais importante. Maria do Rosário recordou a “força eleitoral” dos mais velhos, e pede que essa força se manifeste já nas eleições europeias. O objectivo é, como já está a acontecer, “fazer pressão junto do poder político e incomodar os políticos”.
A representante da APRe! teme aquilo que vai acontecer na Europa se, tal como se prevê, a direita e a extrema-direita ganhem terreno nas próximas eleições. “As pessoas quando estão zangadas vão para a extrema-direita”, receia.
Sobre o problema da falta de alternativas políticas, Maria do Rosário tem pena que a esquerda não se entenda, no sentido de criar uma candidatura comum com os outros movimentos criados recentemente (nomeadamente o 3D e o partido Livre). “A esquerda não se junta. Por um lado, os outros partidos de esquerda não se querem juntar ao PS por este ter assinado o memorando de entendimento com a troika. Por outro lado, o PS também não quer entender-se com partidos mais à esquerda”, analisa.
Em seu entender, estão também em risco os subsistemas de saúde e o próprio Sistema Nacional de Saúde (SNS). O aumento das contribuições para a ADSE, na opinião de Maria do Rosário, leva a que as pessoas tenham de recorrer aos privados – “que vão buscar dinheiro ao próprio Governo e aos contribuintes”.
Considera que “o Governo está a fazer tudo” para que os cidadãos deixem esses serviços, o que vai levar à “liquidação e degradação do SNS", sublinhou.
Como professora e ex-directora de uma escola secundária, falou da “degradação cada vez maior do ensino público”, e segundo as suas previsões: “A escola pública vai ser só a escola dos pobres”.