“Tenho perfil para o lugar de Presidente da República”
António Capucho fala da caça às bruxas e mostra-se desiludido com Passos Coelho, que acusa de ter transformado o PSD num partido “radicalmente conservador”.
Como é que um fundador do PSD se sente ao ser expulso do partido no qual militou 40 anos?
Tenho alguma nostalgia desses tempos e pena que as circunstâncias tenham encaminhado a direcção do partido para esta decisão iníqua e precipitada, mas também devo confessar que desde há dois anos tenho a militância no partido suspensa por discordâncias profundas com as orientações a nível do PSD e a nível do Governo pelo que não há uma alteração substancial em relação à minha situação.
Há quem fale de caça às bruxas. Foi isso que aconteceu?
A direcção política nacional e a direcção política distrital não suportam ver nos cargos de responsabilidade do partido pessoas que não sejam seguidistas. Sendo Sintra o terceiro maior município do país, o PSD não gostou que um militante como Marco Almeida se tivesse candidato à câmara e não hesitou em aplicar, de uma forma que considero despropositada, sanções aos militantes que assumiram essa atitude. Só em Sintra, foram 90 militantes que se candidataram ao lado de Marco Almeida.
Está desiludido com Pedro Passos Coelho?
Estou desiludido desde uma primeira decisão que tomou e que me pareceu um disparate colossal que foi o de avançar com o dr. Fernando Nobre, completamente impreparado e desajustado, para o cargo de presidente da Assembleia da República. Quando exprimi publicamente essa posição, enfim, começaram a suceder situações que considero muito negativas para o país e para o partido e entramos em rota de colisão.
Que avaliação faz dos dois anos e meio do Governo PSD-CDS/PP?
Faço um balanço negativo sendo certo que há algumas áreas onde tenho que reconhecer que a actuação é globalmente positiva, como a saúde. A grande questão tem a ver com o facto de o partido ter subscrito com o PS e o CDS o protocolo de acordo com a troika. Não nos devíamos ter revisto nos termos do acordo e, mais do que isso, não deveríamos ter feito o que o PSD fez que foi elogiar ao cordo e ser mais troikista que a troika. Adoptou uma estratégia extremamente negativa que assassinou muito o tecido empresarial, a economia do país e provocou o crescimento do desemprego de uma forma brutal.
Disse que o PSD se afastou da sua matriz social-democrata. Ideologicamente o que é o PSD hoje?
O PSD é exactamente aquilo que o dr. Pedro Passos Coelho anunciou na candidatura em livro que apresentou os princípios programáticos que pretendia e que tinham pouco de social-democrata e muito de neoliberal. Na prática política veio-se a confirmar que essa matriz social-democrata que está na génese do partido foi perorando em benefício da estratégia adoptada a nível o Governo e do partido.
Está a dizer que o PSD é hoje um partido neoliberal?
Temos um PSD com uma vocação muito liberalizante e radicalmente conservador. O PSD ultrapassou pela direita radicalmente o próprio CDS-PP que, apesar de tudo, ainda tem alguns valores democratas-cristãos que são respeitáveis
Enquanto militante chegou a defender a regeneração do PSD…
Com estes dirigentes e no estado em que está o partido muito fechado em si próprio, sendo constituído por um conjunto de oligarquias a todos os níveis, é muito difícil regenerá-lo por dentro, mas não é impossível e se essa circunstância acontecer, se o partido tiver um líder com capacidade, carisma, honestidade e competência, admito a hipótese de eventualmente regressar.
Passos Coelho definiu o perfil que considera adequado do próximo candidato a Belém. Concorda com esse perfil?
Não, acho que o perfil devia de ser exactamente o contrário. Acho inacreditável que numa moção de estratégia [que Passos Coelho vai apresentar no Congresso do PSD na próxima semana] se defina o perfil presidencial pela negativa – aquilo que o presidente não deve ser. O que defendo é que o próximo Presidente da República possa ter uma leitura mais intervencionista ao nível da sociedade. Passos Coelho teve por objectivo queimar Marcelo Rebelo de Sousa, provavelmente por que não lhe convém ter uma pessoa com o seu perfil, mas é um tiro que lhe sai pela culatra.
Marcelo seria um bom Presidente da República?
Tem capacidade política e inteligência e sentido de Estado que satisfazem perfeitamente os requisitos para a Presidência da República não quer dizer que se venha a apoiar o Marcelo Rebelo de Sousa porque outros candidatos poderão aparecer com qualidades iguais e que possam merecera adesão do eleitorado que possa estar sintonizado com esta perspectiva da Presidência da República.
Alguma vez pensou em candidatar-se à Presidência da República?
Não afasto liminarmente essa hipótese. Não é uma coisa que pense nela todos os dias, nem todas as semanas, nem todos os meses, apenas digo por uma questão de princípio que não a afasto liminarmente. Sinto-me com perfil para o lugar, mas não é nada que ambicione desesperadamente, nem sequer que tenho a expectativa de poder vir a reunir condições para isso.
O grande problema tem a ver com a falta de apoios?
Uma candidatura à Presidência da República exige investimento, exige uma despesa avultada, em matéria de apoios. Não estou ligado nem nunca estive a nenhum sector empresarial, nunca exerci qualquer cargo em empresas públicas ou privadas, nem consultadoria a partir do momento em que abracei o PSD, em 1974, e não creio que seja um candidato susceptível de concitar apoias a esse nível.
E currículo?
Tenho experiência política, bom senso e um currículo diversificadíssimo que me deu uma experiência que não terá paralelo noutros militantes do PSD. Há muitos homens e mulheres dentro do PSD que reúnem condições excelentes para o efeito, designadamente senhoras. Era interessante ver, finalmente, uma mulher em Belém
Por exemplo?
Quer Manuela Ferreira Leite, quer Leonor Beleza têm claramente perfil para isso.
A partir de agora vai andar por aí?
Eu ando por aí. Estou permanentemente a ser convidado para conferências, colóquios, designadamente no seio do PSD e que sempre que posso apareço. Mantenho uma actividade cívica significativa em resposta aos convites que recebo.