Durante quatro horas, o Parlamento pareceu um tribunal americano
Ana Gomes revelou na comissão de inquérito das contrapartidas que o processo dos submarinos pode prescrever em breve e considerou “fundamental” apurar o papel de Durão Barroso.
A deputada do CDS encarou a depoente como uma advogada de defesa encara a testemunha-chave da acusação, nas batalhas judiciais dos EUA. Nas suas perguntas, Cecília Meireles iria tentar demostrar as “falhas” que impediriam Ana Gomes de ser credível. Levava uma resma de papéis. Alguns com citações do blogue da eurodeputada, escritas há vários anos. Numa delas, Ana Gomes incorreu num erro factual - dizendo que a Escom tinha sido contratada pelo Estado português, quando o foi pelos alemães do German Submarine Consortium. Ana Gomes reconheceu o erro. “Não tenho dificuldade em pedir desculpa, até porque já disse que errei”, assumiu Ana Gomes.<_o3a_p>
Cecília Meireles considerou o discurso de Ana Gomes sobre este assunto como estando “eivado de meias palavras, insinuações, em alguns casos difamações”. Ana Gomes contra-atacou: “O doutor Paulo Portas ameaçou-me com um processo. E eu fiquei à espera. Até hoje. Já lá vão três anos.”<_o3a_p>
Mas a verdadeira novidade que Ana Gomes trazia à comissão teve de esperar pela “validação da testemunha” a que Cecília Meireles a submeteu. Foi durante a ronda de perguntas do deputado comunista João Ramos que a eurodeputada considerou “importante” para os trabalhos da comissão “apurar qual é o envolvimento do [ex] primeiro-ministro Durão Barroso” no processo de compra do submarinos. Por duas razões, adiantou. Há várias menções a encontros de Barroso e do seu colaborador próximo Mário David com o ex-cônsul honorário português, em Munique, Jurgen Adolff, condenado por corrupção na Alemanha. “Quem designou o cônsul honorário foi Durão Barroso”, acrescentou Ana Gomes. O PS e o BE mostraram-se disponíveis, tendo os socialistas avançado com a intenção de convocar para depoimento o ex-eurodeputado Mário David. O Bloco já havia requerido a convocação do próprio Barroso.<_o3a_p>
Ana Gomes continuou, relatando aos deputados que a própria lei de financiamento dos partidos (que pode ter sido violada com “luvas” pagas pelo fabricante alemão dos submarinos) foi aprovada em 2004, mas só entrou em vigor no ano seguinte. “Durão Barroso pediu que a lei de financiamento dos partidos só entrasse em vigor a 1 de Janeiro de 2005”, relatou Gomes, citando a informação que recebeu, na altura, do negociador socialista Alberto Martins.<_o3a_p>
A frase mais repetida por Ana Gomes foi esta: “Há alemães condenados na Alemanha por corromperem pessoas em Portugal. Em Portugal não se sabe quem são os corrompidos.” Lendo a sentença alemã, que condenou, em dois processos diferentes, o ex-cônsul e a própria Ferrostaal, bem como dois dos seus administradores, por “corrupção de titulares de cargos públicos estrangeiros”, em Portugal e na Grécia, Ana Gomes exortou os deputados portugueses para que fizessem o seu papel, perante o que considerou ser uma “justiça obstruída”.<_o3a_p>
“Pode não tardar aí um despacho de arquivamento por prescrição”, continuou, referindo-se ao processo principal, o das suspeitas de corrupção, tráfico de influências e financiamentos partidários ilícitos resultantes da aquisição dos dois submarinos, em 2004. Um processo que, lembrou Ana Gomes, foi aberto após terem sido registados depósitos em numerários nas contas do CDS - o célebre caso “Jacinto Leite Capelo Rego”.<_o3a_p>
Por isso, a eurodeputada admite, “até ser injusta”. Mas o coordenador do PSD, António Prôa, iria seguir a linha do CDS. Para este deputado, as declarações de Ana Gomes apenas serviram para “acusar, injuriar e caluniar”.<_o3a_p>
Ana Gomes continuou, com uma nota optimista: “A falência do Grupo Espírito Santo pode ser uma grande oportunidade para esta comissão apurar quem são os beneficiários últimos dos fundos que receberam pagamentos da Escom UK.” Por isso, a eurodeputada já contactou os responsáveis de ambos os bancos, o “novo” e o “mau”, para tentar obter informação sobre os dois off-shores que terão recebido dinheiro da filial inglesa da Escom, proveniente das alegadas “luvas” alemãs. E na resposta a essa dúvida, encoberta pelo sigilo bancário e pelo secretismo dos off-shores, pode estar a resposta à dúvida que tomou quatro horas à comissão: o que é verdade, factual, e o que é “insinuação”?<_o3a_p>