Estudo mostra que boys ajudam a controlar administração pública
Tese de doutoramento de investigadora de Aveiro analisou 11 mil nomeações em 15 anos e concluiu que a maioria serviu para recompensar lealdades partidárias.
Na investigação da Universidade de Aveiro (UA) foram detectados dois tipos de motivações por trás das nomeações para cargos na cúpula da administração central: o “controlo de políticas públicas” e a “recompensa por serviços prestados anteriormente ou em antecipação aos mesmos”, segundo a autora, Patrícia Silva. “É difícil dizer que uma nomeação ocorra só por causa de um dos motivos, que por vezes se conjugam”, explica ao PÚBLICO.
As conclusões apoiam-se numa base de dados de 11 mil nomeações e em entrevistas a “51 dirigentes políticos, ministros e observadores privilegiados da política portuguesa”, que, “na sua larga maioria, confirmam essa influência partidária”. “Há um alinhamento [ideológico] entre os partidos que estão no governo e as pessoas à frente” da administração pública, nota Patrícia Silva. A investigadora do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da UA justifica esta realidade com a necessidade de os governos terem um programa para executar.
Para além disso, há o recurso por parte dos governos à informação. “Há uma preocupação de a pessoa que foi nomeada contactar o ministro antes de tomar uma decisão”, observa a autora do estudo Novos dilemas, velhas soluções? Patronagem e governos partidários. A influência é exercida mesmo “quando o ministro não consegue nomear a cabeça da instituição”, acabando por indicar pessoas para cargos mais baixos.
Por outro lado, “as motivações de recompensa surgem associadas às posições hierárquicas intermédias e a posições nos gabinetes ministeriais ou nos serviços periféricos da administração pública, bem como a posições menos visíveis, mas igualmente atractivas do ponto de vista financeiro”, conclui a investigação, que incide sobre um período temporal que abarca dois governos do PS (Guterres e Sócrates) e um governo do PSD-CDS (Durão Barroso/Santana Lopes).
O estudo compara ainda, ao nível legislativo, várias realidades de outros países e a autora verificou que a influência partidária nas nomeações para cargos públicos “não é exclusiva de Portugal”. “Nos casos de uma administração pública permanente como no Reino Unido, os ministros sentem-se desconfortáveis em trabalhar com essas administrações, nomeiam special advisors e contornam estas limitações”, explica Patrícia Silva.
“Impacto económico tremendo”
A influência dos partidos nas nomeações na administração pública é “uma realidade conhecida e um dos maiores problemas do país, com um impacto económico tremendo”, observa o vice-presidente da Transparência e Integridade, Associação Cívica, Paulo Morais, em declarações ao PÚBLICO.
“Só por milagre um boy de uma juventude partidária, habituado a organizar jantares e comícios, consegue fazer um bom trabalho num organismo público”, critica Morais. O investigador reconhece que “há milagres, mas a regra é que [os nomeados] tomem decisões incompetentes e erradas”.
O dirigente da TIAC admite que, no “círculo mais restrito da execução de políticas, se recrutem pessoas de confiança [dos governos], mas sempre com competência”, sublinhando que “esse critério da confiança faz sentido num universo de cem pessoas, não de cem mil”.
O actual Governo lançou, em 2012, as bases de uma reforma do regime de selecção para cargos públicos, com a fundação da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap). O objectivo é escrutinar de forma mais eficaz o processo de recrutamento para cargos públicos, ou seja, tentar acabar com os jobs for the boys, como havia prometido Guterres.
“A tendência é valorizar o mérito e não a fidelidade”, garante ao PÚBLICO o presidente da Cresap, João Bilhim. O responsável não se mostra surpreendido com as conclusões do estudo. “O último Governo de Sócrates assumiu isso [nomeações influenciadas por partidos] como um dado”, observa.
Bilhim afirma que a administração pública vai deixar de estar dependente dos partidos no governo, algo que é garantido pela própria legislação que prevê cargos de cinco anos. “Digo nas entrevistas que não estamos a recrutar políticos, mas sim profissionais capazes de lidar com todas as cores políticas”, afirma o presidente da Cresap.
Paulo Morais considera ainda ser cedo para se fazer uma avaliação do novo paradigma, mas nota que, “em teoria, é melhor que o anterior”. “A questão é saber se vem romper com o modelo anterior ou se o vai branquear.”
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