Advogado-deputado faz adiar julgamento de desvio de 6,6 milhões para partidos

Processo das subvenções parlamentares, indevidamente utilizadas para financiamento partidário na Madeira, foi adiado a pedido de Guilherme Silva, devido à votação final do Orçamento do Estado. PSD protela corte de 50% nestes apoios.

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Guilherme Silva argumentou ter de votar o Orçamento do Estado Daniel Rocha

Guilherme Silva foi um dos deputados que aprovaram na Assembleia da República uma alteração à lei de financiamento dos partidos que transfere do Tribunal de Contas para o Tribunal Constitucional a competência para fiscalizar as subvenções concedidas pelas assembleias legislativas regionais. O efeito retroactivo dessa norma de “natureza interpretativa” será agora alegado pelos líderes parlamentares e deputados únicos demandados para reclamar o “perdão” dos 6,6 milhões de euros.

Solução de “surrealista”
Quando a norma foi aprovada no final de 2010, Marcelo Rebelo de Sousa classificou a solução como “surrealista”. Também o constitucionalista Jorge Miranda criticou a Assembleia da Republica pelo “perdão” de cerca de 20 milhões, indevidamente recebidos e utilizados pelos partidos entre 2006 e 2010.

Antes da aprovação da polémica norma, cujo efeito retroactivo é posto em causa pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, o parlamento da Madeira, sob parecer do advogado Guilherme Silva, tentou contornar a mesma questão ao aprovar um decreto legislativo regional em Dezembro de 2008, que alterava os limites do financiamento público aos partidos na região. Mas o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade deste diploma que “invadiu a competência legislativa dos órgãos de soberania”.

Em Janeiro estará em julgamento a responsabilidade financeira, sancionatório e reintegratória, respeitante aos processos nº 1/2006-JRF (no âmbito do relatório n.º 5/2008-FS/SRMTC) e n.º 2/2006-JRF (relatório n.º 9/2010-FS/SRMTC), relativos às auditorias à utilização das subvenções realizadas pela Assembleia da Madeira em 2006 e 2007. Entretanto, por solicitação do procurador adjunto da República junto da secção regional do TC, decorrem investigações a cargo da Polícia Judiciária, com vista à eventual instrução de processos-crime contra os deputados agora demandados pela prática peculato por titular de cargo público.

Em relação às subvenções de 2006, o procurador tinha dado, no final de Janeiro de 2012, um prazo de 30 dias para os deputados notificados e os membros do conselho de administração do parlamento, em parte de forma solidária, procederem ao pagamento voluntário de 1,97 milhões de euros, o que faria extinguir a responsabilidade financeira. Dois meses depois, o magistrado deu novo ultimato, relativamente a 3,63 milhões das subvenções de 2007, sob pena de procedimento jurisdicional. Como não o fizeram, a devolução de tais verbas, com a respectiva multa e emolumentos, será exigida em julgamento.

PSD deve devolver 4,4 milhões
O Ministério Público exige ao PSD a devolução de 4,4 milhões não-documentados como despesa efectuada pelo grupo parlamentar e indevidamente utilizados pelo partido naqueles dois anos. O ressarcimento de menores valores, proporcionais à sua representação, é também exigido a todos os partidos da oposição: PS (1,3 milhões), CDS (228 mil euros), PCP (159 mil), BE (61 mil), PND (25 mil) e deputados independentes João Isidoro (75 mil) e Ismael Fernandes (71 mil).

Na semana passada, as subvenções parlamentares voltaram a suscitar polémica na Madeira, devido à proposta de redução em 50% do seu valor, apresentada pelo PS. Mas o PSD adiou a discussão ao recusar o processo de urgência da iniciativa legislativa que permitia uma poupança de 2,67 milhões, correspondente a metade dos 5,35 milhões que a assembleia regional atribuiu em 2013 para apoio aos gabinetes dos grupos parlamentares, dos quais o PSD recebe 2,8 milhões.

Confirmando as críticas do Tribunal de Contas e Constitucional ao “excessivo” e ilegal financiamento dos partidos na Madeira, Carlos Pereira (PS), ao defender a proposta apoiada por todos os partidos da oposição, lembrou que a República gasta, por habitante, 1600 euros com o seu parlamento (incluindo o financiamento público dos partidário e campanhas eleitorais, CNE), os Açores 4000 euros e a Madeira 20.000 euros. A assembleia açoriana tem 57 deputados, mais 10 do que a madeirense.

Notícia corrigida às 19h45 do dia 02/12/2013. A proposta de alteração à lei de financiamento dos partidos não foi apresentada por Guilherme Silva, mas sim pelo PCP.

Esta notícia foi alvo de um direito de resposta de Guilherme Silva

"O PÚBLICO, na sua edição de 18 do corrente, publicou a págs. 13, com particular destaque e chamada de 1.ª página, artigo da autoria de Tolentino de Nóbrega em que refere o facto de o signatário intervir como advogado em processo pendente na Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, respeitante às subvenções atribuídas aos Partidos, através dos Grupos Parlamentares das Assembleias Legislativas.

A esse propósito, e com violação de todos os deveres deontológicos de jornalista a que se aludiu, afirma aquele vosso colaborador, a meu respeito: “Guilherme Silva, na qualidade de legislador, propôs e aprovou na Assembleia da República uma alteração à lei de financiamento dos partidos que transfere do Tribunal de Contas para o Tribunal Constitucional a competência para fiscalizar as subvenções concedidas pelas assembleias legislativas regionais. O efeito retroactivo dessa norma de “natureza interpretativa” será agora alegado pelos líderes parlamentares e deputados únicos demandados para reclamar o “perdão” dos 6,6 milhões de euros.”

Antes de mais importa, fixar temporalmente os factos:

— A alteração à Lei do Financiamento dos Partidos a que o vosso colaborador alude (que já havia constado de diploma de 2009 aprovado por unanimidade e vetado pelo Presidente da República por razões alheias à presente questão), decorreu do Projecto-Lei 317/XI do PCP que foi discutido, na generalidade, conjuntamente com o Projecto-Lei 299/XI, do BE, no Plenário da Assembleia da República de 23 de Junho de 2010.

— Baixaram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para discussão na especialidade, vindo a ser objecto de votação final global no Plenário de 4 de Novembro de 2010.

Ora, o processo em que não podia, sequer, antever que iria intervir como advogado, iniciou-se na Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, dois anos depois, mais precisamente em 2 de Julho de 2012, e só em 24 de Setembro de 2012 foi o signatário constituído advogado nos autos, por deputados de diferentes Partidos.

E asseguro tal patrocínio, convicto da razão que lhes assiste, com muito gosto e “pro bono”, com a tranquilidade e o conforto de quem não tem, nem nunca teve, quer no processo, quer nas alterações legislativas em causa, o menor interesse pessoal.

Acresce ser completamente falsa a afirmação de que teria, enquanto deputado (legislador), “proposto” e “aprovado” a referida alteração à Lei do Financiamento dos Partidos, pois, a mesma decorreu do referido Projecto de Lei do PCP e de alterações propostas, na especialidade, pelo PS.

Acontece que não tive qualquer intervenção naqueles trabalhos pelo que não votei tais alterações, nem as podia ter aprovado.

Aliás, da lista de presenças anexa à Acta nº 10/XI/2ª da reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de 2 de Novembro de 2010, em que foram votadas aquelas alterações, constata-se que nela não participei.

Mas não ficam por aqui as falsidades do escrito em causa.

Refere-se ainda que a Assembleia Legislativa terá aprovado Decreto-Legislativo “sob parecer do advogado Guilherme Silva”, diploma que veio a ser considerado inconstitucional. Ora, não tive nisso qualquer intervenção como advogado e, muito menos, emiti qualquer parecer a tal propósito.

O que se discute, e o Parlamento, como lhe competia, aclarou, é uma questão de interpretação jurídica, que dividiu o próprio Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, sobre caber, ao Tribunal de Contas ou ao Tribunal Constitucional, a fiscalização das subvenções atribuídas aos Partidos, por via dos Grupos Parlamentares, tanto na Assembleia da República como nas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.

Claro que o Parlamento está habituado à crítica fácil de “preso por ter cão e preso por não ter”.

Na verdade, quando se coíbe de aclarar a Lei, como aconteceu no caso da limitação de mandatos dos autarcas, é criticado por se demitir das suas obrigações.

Quando, com superiores preocupações institucionais, aprova Lei, em termos que merecem a nossa total concordância, para prevenir um conflito de competências entre o Tribunal de Contas e o Tribunal Constitucional em matéria tão delicada como a do financiamento partidário, é igualmente criticado.

Agradecia, pois, a V. Exa. que, nos termos dos artigos 24.º a 26.º da Lei de Imprensa, se digne promover a publicação integral do presente texto, com o destaque e chamada de 1.ª página, correspondentes aos do artigo a que se reporta."

Guilherme Silva

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