A reforma do Estado: cortar ou mudar procedimentos?

Uma “reforma do Estado” a sério deve visar, em primeiro lugar, que o Estado se torna mais eficaz nas suas funções, que as desempenha melhor e, dessa forma, ajuda a ganhos globais de produtividade na economia privada mas também pública.

A “reforma do Estado” deve ser uma reforma dos procedimentos ineficazes e das zonas cinzentas que propiciam fenómenos de pequena ou grande corrupção. A “reforma do Estado” passa pela qualificação dos serviços que o Estado presta, da justiça à Saúde, da Educação à Segurança.

Um Estado eficaz não necessita de ser mais “barato” se conseguir, pela sua acção, dinamizar a sociedade e a economia que, desse modo, produzem mais riqueza. Deve ser um Estado com funções de regulação transparente e de promoção de uma concorrência real, em vez de anquilosar na defesa de interesses particulares (públicos ou privados), de monopólios ou oligopólios de facto (quando as privatizações apenas transferem o domínio do mercado do operador público para um privado) ou em práticas de corrupção, nepotismo e tráfico de influências (quando a função pública e o exercício de altos cargos administrativos e políticos é encarado como mera transição ou trampolim para funções privadas em sectores antes tutelados ou acerca dos quais se ganhou uma vantagem por via das redes de conhecimentos que se estabe4leceram).

A “reforma do Estado” não se pode traduzir em cortar aqui para dar ali, quando se mantêm procedimentos de evidente distorção da concorrência, protegendo nichos de mercado, não apenas nos sectores económicos mais óbvios mas nos próprios serviços de tipo social que o Estado presta.

A “reforma do Estado” que interessaria fazer, mas não interessa aos sucessivos “reformadores”, é aquela que torna a administração pública como um corpo, ou conjunto de corpos profissionais, independente de pressões, caracterizado pela excelência e merecedor da confiança da população (e não necessariamente da opinião publicada). Uma administração pública eficaz, com procedimentos transparentes e céleres, em que o exercício das funções públicas se rege por princípios de independência e deontologia profissional e de serviço público é o que menos interessa aos actuais “reformadores” que apenas estão preocupados com duas coisas: domesticar o funcionalismo aos interesses particulares dos senhores do momento e assegurar que o processo de escolha das chefias garantirá a manutenção dos circuitos estabelecidos de defesa de interesses particulares.

Quando se aponta o “corporativismo” de algum funcionalismo público, o que se pretende em muitos casos é demonizar o último obstáculo à tomada do Estado pelos interesses particulares de grupos privados. O caso da Educação e da longa guerra do Bloco Central com os professores é apenas o episódio mais longo desse processo de tentativa de pseudo-”reforma do Estado”.

A “reforma do Estado” deve passar em primeiro lugar, pela alteração dos procedimentos, e isso não significa mantê-los com outra designação, desde que submetidos a uma estrutura hierárquica cujo topo obedece a lógicas partidárias e não ao efectivo interesse nacional.

Porque o aparelho de administração pública e o funcionalismo é que devem ser a primeira e maior garantia da defesa independente desse interesse, não os ocasionais ocupantes das cadeiras de um poder político submetido a lógicas de clique e corporizado por figurantes de segunda ordem.

 

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