A miniatura
Banalidades e truísmos. Afirmar que a solução do crescimento e emprego está na promoção da indústria é um truísmo. Ninguém discorda, mas poucos indicam o caminho para lá chegar, no maremoto europeu. De nada adianta dizer hoje que a solução está na indústria, amanhã que está na inovação, depois de amanhã que só pode vir da economia digital, para no final da semana se afirmar que tem que ser pelo mercado interno, depois que será pelas energias renováveis, sem esquecer, naturalmente, os milagres que se esperam do conhecimento e da tecnologia. E assim sucessivamente, pois a lista do politicamente correcto criada em Bruxelas é inesgotável. Esquecendo que lançar ao ar ideias serôdias e vagas para conquistar eleitores indecisos é como fazia o Príncipe Regente, mais tarde D. João VI, lançar moedas de ouro à pilha, na Baía, para agradar à populaça.
Protagonismo e assertividade. Seguro vai visitar o governador do Banco de Portugal e compra prime time com declarações de quem, tendo dúvidas, as desfez completamente com uma simples conversa. Requere um briefing sobre incêndios florestais, é recebido com honras de governante pelo ministro da pasta, com quem se fotografa, certamente reconhecendo que este ano estão a deflagrar menos incêndios, uma verdade que não precisa de ser repetida. Conquistou tempo de visibilidade nacional e o regozijo do ministro. Este, com a visita meteu no papo a oposição e dela se servirá se as coisas correrem mal, brandindo como desculpa o “consenso nacional” sobre o dispositivo contra os fogos de verão. A CAJS devia ter experiência política suficiente para perceber que tal protagonismo não carreia assertividade, apenas auto-limitação da crítica futura, se necessária. Além do mais, deu aos seus críticos um argumento de ouro: ele e o Governo, afinal andam próximos. Em 1991, o então ministro da saúde, Arlindo de Carvalho, deu ordem expressa à administração dos Hospitais Civis para não facultar a uma delegação presidida pelo então líder parlamentar António Guterres o acesso a uma visita do PS ao Hospital de São José. Cavaco então temia a oposição, Passos Coelho nada receia desta.
Promessas e indecisão. Seguro prometeu que, com ele, os pensionistas não pagarão nenhuma taxa de sustentabilidade. A mim dava-me jeito, mas parece-me fartura a mais. Com este ou outro nome ou dispositivo, onde vai ele conseguir o equilíbrio orçamental exigido pelo semestre europeu que todos aprovámos? Onde se esperava um candidato a primeiro-ministro com ideias assentes, para isso ele próprio exigiu as directas, afinal submeteria a novo referendo interno futuras coligações por força de eventual vitória minoritária. E se a vitória fosse de um partido da direita, sem maioria à direita? Também submeteria eventual coligação a referendo? Tudo visto, Seguro promete aos portugueses mais dois meses de espera para se constituir o próximo governo.
A vitimização habitual. A CAJS levou Seguro a adoptar desde o início a táctica do “queixinhas”. Queixa-se de ser desafiado quando tinha (mal) ganho duas eleições, esquecendo os grandes municípios que perdeu e os que não ganhou, tendo podido fazê-lo; confundindo um ganho modesto nas europeias com uma grandiosa vitória. Queixa-se de ser forçado a apresentar uma moção às directas, quando foi ele que desenhou todo o processo rígido e longo para fustigar e desgastar Costa e queimar a terra para que não cresça semente. Criticando as trinta páginas de Costa, frente às suas oitenta medidas, acabou por ser minimalista reduzindo a sua moção a cinco páginas e meia de banalidades. De resto, quem autorizou a CAJS a considerar propriedade sua o trabalho colectivo realizado dentro do PS ao longo de muitos meses?
Perante um festival quotidiano de banalidades e truísmos, ideias soltas em sementeira dispersa, confusão de protagonismo com assertividade, promessas de indecisão onde deveria haver acção, generosidade extemporânea e, como não podia deixar de ser, a clássica vitimização, implorando afagos, a CAJS não contribui para levantar a moral do país e não ajuda o PS.
Na ânsia de responder todos os dias ao desmoralizador crescendo de candidaturas electrónicas de simpatizantes, de composição incerta mas dificilmente favoráveis, a candidatura de António José Seguro corre o risco de transformar o candidato em miniatura de primeiro-ministro.
Artigo Lua
Amigos assim. Um antigo ministro das finanças veio esta semana, felizmente em horário tardio, antever uma falência a prazo do Banco Novo. Onde se esperava contenção, mesmo sem optimismo, o personagem colocou-se ao nível do antigo responsável do PC pelas finanças que um dia antes augurava o mesmo: depósitos a serem levantados, o Banco Central Europeu a ser todos os dias solicitado, estaria composto o quadro da pré-falência. Que o PC se regozije com a queda de uma peça do capitalismo, a ninguém causa admiração. Mas que um economista sénior, o mentor ideológico de Passos Coelho, o lançador de Moedas, um autêntico “pai da Pátria” para a direita, venha com assertividade e frieza prever o esbarrondar de uma solução tão laboriosa como precária ultrapassa o meu entendimento. Com amigos destes, a banca não precisa de inimigos.
Governo ausente ou omisso? O ministro da presidência tentou convencer-nos de que o governo ignorava as decisões que viriam a ser tomadas pelo Banco de Portugal. Louvável a intenção de considerar o regulador, como prescreve a Constituição, um órgão independente do Governo. Mas custa a crer. Então perante problema tamanho, não seria de esperar que o regulador informasse a ministra das finanças, senão mesmo o primeiro-ministro, do que estaria para acontecer? Vamos admitir que o Governo, por definição, nunca mente. Então, que confiança merece um Governo que, em matéria de tamanha gravidade e de tão graves consequências para o país, admite que tudo lhe passou ao lado, que nada teve a ver com a decisão, que na altura estava ocupado a assobiar para as árvores? Professor catedrático reformado