A aclaração ou qualquer outra coisa?
Mesmo sendo inédito, não julgo que o Tribunal Constitucional tenha um qualquer estatuto especial que o defenda da aplicação da lei processual geral, no caso a dita “aclaração”, ou qualquer outro sucedâneo que a revisão do CPC forjou contra os “malvados advogados” que abusavam desse mecanismo...
Juridicamente, o problema começa por ser processual na medida em que o Parlamento não é parte processual num pedido que tem uma óbvia inserção num processo de fiscalização da constitucionalidade com as suas normas próprias, estando sempre dependente de quem é parte.
Mas o problema acaba por ser ontológico, já que se inquire sobre o que está mesmo em causa: uma simples aclaração, ou um verdadeiro “recurso disfarçado”, o que determinará a sua inviabilidade na medida em que o Tribunal Constitucional decide em instância única no seu próprio plenário.
Vamos aguardar o que o Tribunal Constitucional irá decidir sobre o assunto.
2. Certamente o mais relevante deste episódio é a dimensão político-institucional que o mesmo contém, consistindo num fortíssimo contra-ataque do Governo a uma decisão que considerou uma “adversidade”.
No jogo político, ninguém está acima da crítica e os órgãos e actores políticos têm o direito de discordar das decisões tomadas.
Só que uma decisão judicial de reparação da Constituição violada e que defendeu direitos fundamentais das pessoas não é bem uma “adversidade”, mas uma “saudável reposição da legalidade constitucional”.
Acresce que o Tribunal Constitucional é um órgão de soberania, mas não é um actor político, e não participa em comícios nem faz comunicados comentando as decisões dos outros órgãos de soberania.
Numa perspectiva de igualdade de instrumentos de intervenção no espaço público, é justo reconhecer que o Tribunal Constitucional sempre perderá essa batalha...
3. Tudo o que se vai seguir será o “disparar em todas as direcções”, atingindo o ponto de se dizer que os juízes do Tribunal Constitucional não foram democraticamente legitimados.
Então dez dos juízes não foram eleitos pela Assembleia da República, por uma maioria idêntica à da revisão ordinária da Constituição, que é de 2/3 dos votos, e com uma audição prévia na 1.ª comissão? Não será isso uma escolha democrática? Ou a Assembleia da República deixou de ser um órgão de excelência da democracia representativa?
O sistema de escolha dos juízes do Tribunal Constitucional não é, nem nunca foi, incontroverso, e são vários os modelos possíveis. Agora, dizer que essas escolhas não foram democráticas é que não lembrava a ninguém.
Professor catedrático de Direito