Cinco razões para ler os programas eleitorais

Qual é a finalidade do sexo? Devemos repensar o conceito de "pessoa"? Para estas e outras questões, há respostas nos compromissos partidários que vão a votos no dia 4 de Outubro.

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1. Os programas tratam da nossa intimidade
Está o Partido Democrático Renovador, fundado pelo eurodeputado Marinho Pinto, a prometer um combate à "cultura onanística que se tem vindo a disseminar na sociedade" e nós à espera do ponto final para melhor digerir a acusação. E a imagem. Mas logo depois do ponto vem o resto: "É tão estúpido pretender que o sexo apenas serve para a procriação como querer reduzi-lo apenas a um instrumento de prazer." Isto antecede uma promessa solene, uma das poucas que constam do programa tal como aparece na página online do partido. Contudo, o PDR não pretende legislar sobre a melhor forma de encarar o sexo. Apenas instalará, se for Governo, um "Ministério da Mulher e da Família" no elenco do Conselho de Ministros.

Ainda mais íntima é a promessa do PAN – Pessoas, Animais e Natureza – de "distribuir gratuitamente copos menstruais em consultas de planeamento familiar nos centros de saúde". O PAN gosta tanto desta proposta de substituição do uso de pensos higiénicos e tampões por um recipiente reutilizável (mais detalhes disponíveis num motor de busca) que a repete em quatro capítulos diferentes do seu programa. Nomeadamente nas áreas de Sustentabilidade, Saúde, Igualdade e Bem-estar. A esta altura, haverá quem pergunte: porquê? E o PAN responde: "A gestão saudável dos recursos deve incorporar mudanças dos nossos hábitos diários e, como tal, a diminuição da poluição e do desperdício de recursos terá que ser repensada a nível pessoal."

2. Os programas fazem-nos pensar em coisas que nunca pensámos
Continuando no programa do PAN, que é, graficamente, o mais bem apresentado de todos os sete disponíveis, a lente política deixa de focar o particular e salta para o geral. "Repensar o conceito de 'pessoa'" é uma das propostas do partido cuja sigla começa com um P de Pessoas. Nesta altura, abençoamos a estrutura de apresentação das propostas deste partido: Medida, Porquê, Para Quê e Como. Esta lê-se, avidamente. Porquê? "Apesar de o seu nível de consciência ser igual ao dos seres humanos, actualmente os animais não têm o direito de serem considerados como pessoas." Ou seja, a ideia não é retirar algumas pessoas do universo das "pessoas" – como muitos portugueses já terão desejado, sobretudo quando confrontados com algumas acções de claques de futebol – mas incluir animais no conceito de "pessoa". Venha o "para quê": "Para que sejam reconhecidos direitos fundamentais aos animais tal como são reconhecidos às pessoas." Ao pé disto, que envolve uma questão complexa de bioética, o "como" chega a parecer óbvio: "Através do reconhecimento no Código Civil de um eventual terceiro tipo de pessoa, para além da pessoa singular e da pessoa colectiva." Resta uma pergunta: se a medida for aprovada, o nome do partido (Pessoas, Animais e Natureza) torna-se redundante e vai ter de mudar?

3. Os programas falam da nossa morte, com boas intenções
Há expressões que a política devia usar com moderação. "Fim de vida" é uma delas. Sobretudo se aplicada a um grupo demográfico relevante da sociedade portuguesa (os reformados) e mais ainda quando se sabe que a esperança média de vida está muito além da idade da reforma (são 15 anos de diferença entre os 65 anos e os 80). Por isso, sabermos que é "prioritário para o PDR garantir que todos os portugueses tenham um fim de vida com dignidade", logo na primeira frase do capítulo dedicado à Segurança Social, não é tão animador como parece.

Por essa ordem de ideias, a proposta do Agir!, de Joana Amaral Dias, de garantir o direito de voto aos 16 anos deveria chamar-se "voto à nascença".

4. Os programas começam todos de maneira diferente
Se descontarmos os preâmbulos – e as várias formas que têm as introduções escolhidas pelos partidos –, é significativo que nenhuma das candidaturas escolha o mesmo tema para se apresentar ao eleitorado. Ou quase...

A coligação Portugal à Frente (PaF), que junta o PSD e o CDS, actualmente no Governo, inicia o seu programa com o capítulo "Família e natalidade". Já o PS prefere arrancar com uma acção: "Virar a página à austeridade". O Bloco de Esquerda também usa a palavra, mas noutro contexto: "Europa, desobedecer à austeridade". O PCP recupera uma sua velha expresão programática, usada pelo menos desde 2011: "Uma política patriótica e de esquerda". Já o Livre/Tempo de Avançar começa por falar de "Portugal e União Europeia".

Enquanto o partido fundado por Rui Tavares quer "incluir com urgência na agenda europeia a reestruturação das dívidas" e levar a troika a julgamento no Tribunal de Justiça da União Europeia, Pedro Passos Coelho defende "um Estado mais amigo das famílias e que se oriente pela preocupação de remover os obstáculos à natalidade".

O primeiro dos "objectivos" dos comunistas é ter um "Portugal livre e soberano". O que se distingue, claramente, da proposta do BE: "uma conferência europeia para a reestruturação das dívidas dos países da periferia do euro e para o fim do Tratado Orçamental". Mas a distinção é mais aparente que real. Porque a escolha de palavras não esconde uma quase total sintonia de objectivos, a este respeito, entre Bloco, PCP e Livre. O PS é diferente. Quer, como o resto da esquerda, deixar cair a austeridade. Mas não dessa forma. E quer, como a coligação PaF, ser "amigo" das famílias, nomeadamente, aumentando-lhes o "rendimento disponível".

O PDR começa por exigir "reformas políticas" e depois elenca 13 propostas para a Justiça (é a única área onde o faz). Já a primeira proposta do Agir! vai para o sector financeiro: "Têm de ser os accionistas dos bancos a pagar a falência dos próprios bancos". A primeira prioridade do PAN é "permitir que os pais e mães tenham mais tempo com as/os filhas/os".

5. Os programas mostram-nos diferenças, mas também semelhanças
Não é preciso ter uma bola de cristal para encontrar várias medidas que serão maioritárias no novo Parlamento que vai ser eleito no dia 4 de Outubro. Desde logo, uma que pode até ser unânime: PaF, PS, PCP, BE, Livre e Agir querem, cada um à sua maneira, acabar com os cortes salariais na função pública. O PDR e o PAN, sobre isso, não são explícitos, embora o partido ecologista tenha medidas económicas mais próximas da esquerda "clássica", enquanto o novo partido do advogado Marinho Pinto se pronuncie defensor da economia privada: "Por cada novo emprego público criado, são necessários vários novos empregos privados que suportem com os seus impostos os custos daquele."

Toda a esquerda quer rever o número de escalões do IRS, aumentando-o, para garantir a "progressividade" do imposto sobre o trabalho, diminuindo a factura para quem tem menos rendimentos. O PAN chega a arriscar dar o seu nome às novas tabelas, chamando-lhes "taxa PAN", o que, do ponto de vista do marketing, talvez não seja muito aconselhável...

Há um outro ponto a que só a coligação PaF não adere: a resolução do endividamento das famílias. E não é por falta de espaço. O programa que junta o PSD e o CDS é o maior, em número de páginas (150), seguido pelas 137 do Livre, pelas 89 do PS, pelas 87 do PCP, pelas 64 do BE e a longa distância das 11 do PDR. Durante a campanha, o PÚBLICO fará uma comparação dos conteúdos dos programas pelos olhos interessados de 10 tipos de eleitores: jovens, desempregados, empresários, famílias, endividados, reformados, doentes, contribuintes, funcionários públicos e trabalhadores "precários".

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