Se fosse só três sílabas...
Desacordai, ó gentes que dormis! É que já passou o tempo dos silêncios vis.
Estava a caterpillar socialista posta em desassossego, a trabalhar a todo o vapor na desmontagem do edifício legislativo do anterior governo, quando José Pacheco Pereira resolveu perguntar a António Costa sem grandes rodeios: se estão a acabar com tanta coisa, por que não acabam com o acordo ortográfico? Isto foi-lhe perguntado na SIC-N, numa edição especial do programa Quadratura do Círculo — onde Costa, ex-comentador residente, esteve agora como convidado e, claro, Primeiro-ministro. "Acho que não faz sentido mexer no acordo", disse Costa. E arrancou às suas memórias este diamante: "A minha geração já aprendeu na escola que Luís se escreve com S e não se escreve com Z." Quis com isso dizer: já houve um acordo, este é outro, para quê tanta preocupação? Mas foi infeliz (com Z) no exemplo. Porque Luís, palavra de origem alemã que na sua evolução pelos continentes deu Ludwig, Louis, Luigi ou Luís, já se escrevia por cá com S no tempo de Camões, como se pode confirmar na capa original d’Os Lusíadas. Houve luíses com Z, é certo, mas onde eles proliferaram foi no Brasil. Querem um exemplo? Vão à página oficial do Instituto Lula e lerão: Luiz Inácio Lula da Silva. Assim mesmo, com Z. Conclusão: Camões escrevia como ensinaram a António Costa e Lula, no Brasil, usa o Z que a escola disse a Costa que era errado. Confuso? De modo algum. Confusa é a forma como os políticos, absolutamente ignorantes na matéria, continuam a falar do acordo ortográfico. Mas ficámos a saber uma coisa: Costa não tomaria a iniciativa de fazer este acordo, disse-o na SIC-N, mas também não toma a iniciativa de o desfazer. Compreende-se. É muito mais "importante" do que os exames ou a TAP... Parafraseando O’Neill, se o acordo fosse só três sílabas, e de plástico, para ser mais barato, não havia problema. Mas é, como lhe chamou um crítico literário brasileiro, um aleijão que incomoda. Em Portugal, no Brasil ou onde quer que vegete. Desacordai, pois, ó gentes que dormis! É que já passou o tempo dos silêncios vis.