Editorial: Putin II

Tudo indica de facto que basta Putin querer – e a saúde o deixar. O ex-agente do KGB tornado Presidente lidera o país por decreto, sem debate nem consenso, numa Rússia vítima de conspirações, onde a justiça é arbitrária, os jornalistas incómodos são assassinados, a liberdade de expressão um direito em vias de extinção e a homofobia é enaltecida a nível oficial.

Na sua conferência de imprensa anual de fim de ano, há dois dias, repetiu-se o estranho ritual: 1300 jornalistas com bandeiras, papéis e cartazes para atrair a atenção do líder ao longo de quatro horas de perguntas. A linha de demarcação que Putin fez por oposição à Europa é cada vez mais clara. Já não há subtileza. E a velha frase de Gorbatchov, que em 1989 descreveu a Europa como a "casa comum" onde a Rússia se encaixa, é uma memória congelada. O "Ocidente liberal é assexuado e infértil", disse Putin, que preza tanto a virilidade que há uns anos se fez fotografar em tronco nu em cima de um cavalo.

Putin parece nunca ter despido o uniforme do KGB e parece nunca ter saído da Guerra Fria. Até a libertação do antigo patrão da petrolífera Yukos foi uma operação na melhor tradição dos anos 1970. Sem qualquer pré-aviso, Khodorkovski foi posto num helicóptero na prisão, a 6000 quilómetros de Moscovo, viajou para São Petersburgo e daí seguiu num jacto privado para Berlim.

No espaço de semanas, Putin concedeu um empréstimo de 15 mil milhões de euros à Ucrânia (lido como forma de evitar um pacto de adesão à União Europeia), anunciou a libertação das cantoras da banda punk Pussy Riot e de Khodorkovsky, e autorizou a saída do país a 30 activistas do Greenpeace.

Mas o Ocidente, cujas elites estão a "destruir os valores tradicionais", diz Putin, não se vai comover com estes gestos natalícios, desenhados em parte para calar os críticos, dentro e fora da Rússia, antes dos Jogos Olímpicos de Inverno.

Neste mesmo Dezembro de perdões magnânimos, Putin anunciou o fim da agência de notícias estatal RIA Novosti, respeitada apesar de semi-independente, e colocou à sua frente a mais sinistra figura da política russa a seguir, talvez, ao presidente do Comité de Assuntos Internacionais do Parlamento, que defendeu que a adesão da Ucrânia à União Europeia seria abrir a porta à "infiltração de europeus" que querem apenas "introduzir o alargamento da esfera da cultura gay" no país.

Os russos que chamam Putin II ao seu Presidente não estão longe da verdade.
 
 
 
 
 
 
 

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