Passos no país dos Dias Loureiro
Diz o primeiro-ministro que ele "conheceu mundo, é um empresário bem-sucedido, viu muitas coisas por este mundo fora e sabe, como algumas pessoas em Portugal sabem também, que se nós queremos vencer na vida, se queremos ter uma economia desenvolvida, pujante, temos de ser exigentes, metódicos". Claro que Passos poderia acrescentar outros adjectivos a esse ser triunfante, como “rigorosos”, “sérios”, “prudentes”, “conscienciosos”, “frugais”, “legalistas”, “trabalhadores” ou “socialmente responsáveis”, mas nesta estranhíssima apologia de meritocracia tipo “salve-se quem puder” os valores que estes qualificativos encerram estão, vá lá, em desuso.
Não dá para acreditar. Como pôde o primeiro-ministro dar ao país como exemplo um arguido no caso do BPN (absolvido em primeira instância) por suspeitas num negócio que envolve um lobista libanês, uma empresa marroquina e uma tecnológica com sede em Porto Rico que fez desaparecer das contas do banco nada mais, nada menos, do que 40 milhões de euros? É com fórmulas destas que Pedro Passos Coelho quer colocar as novas gerações a “vencer na vida”? Pensa o primeiro-ministro que fazer triangulações de compras e vendas virtuais alicerçadas em dinheiro real que acaba por ir parar às contas de alguns dos seus mentores é uma forma “exigente” e “metódica” de contribuir para a construção de uma “economia desenvolvida”? O que quer Passos Coelho? A Europa das regras cimentadas sobre uma dimensão ética, ou a selvajaria da Rússia onde vale tudo desde que as oligarquias ganhem com isso?
Não se percebe, de facto, o que quis Pedro Passos Coelho dizer e a menos que se explique e se desculpe ele acabou por dar um enorme tiro no pé. Que os portugueses estejam a pagar as custas das gestões ruinosas e criminalmente suspeitas do BPN e, ver-se-á, do BES, não há nada a fazer - são obrigações que, como nos acidentes, surgem por surpresa. Mas vir agora o primeiro-ministro de Portugal dar como exemplo a carreira de pessoas que estiveram intimamente associadas a essas vergonhas públicas é algo que não se tolera. O que o primeiro-ministro devia ter dito na queijaria onde o primeiro-ministro avistou Dias Loureiro é que o país acredita no esforço dos pequenos empresários que ousam investir no interior e que jamais voltará a tolerar arrivistas que usam a carreira política como alavanca para acumular fortunas sumptuosas ou estilos de vida opulentos.
Passos Coelho só tem por isso uma via para se salvar do enjoo que qualquer português decente sentiu ao ver o seu primeiro-ministro emular as negociatas e os videirinhos que as praticam. Tem de dizer por A mais B que o historial de Dias Loureiro não é exemplo para se “vencer na vida”. Se o não fizer, qualquer pessoa mais ou menos atenta o tentará colar ao passado do ex-ministro e gestor do BPN. Basta para o efeito pegar nas suas histórias da Tecnoforma, que se nem de longe nem de perto se aproximam do esterco dos negócios em Porto Rico, não deixam de expressar uma forma de “vencer na vida” feita de contactos e de expedientes exclusivos para quem tem “capital social”.
O que está afinal em causa com esta declaração infeliz não é por isso uma declaração de circunstância: é um programa político que contempla uma mensagem perigosa. Em vez da apologia do mérito, do esforço e da seriedade, o que essa mensagem passa é exactamente o contrário. Se por acaso viesse a ser levada a cabo, deixaria de haver lugar para gente que investe em queijarias em Aguiar da Beira ou trabalha na construção em Fornos de Algodres. O caminho para o sucesso, diz implicitamente o primeiro-ministro, é almejar uma carreira política “metódica” como Dias Loureiro, “conhecer o mundo” para arranjar uma rede “exigente” de influências e “vencer na vida” à custa de favores ou de negociatas pouco transparentes que resultam em buracos de milhões de euros.
Para os cidadãos que vivem do seu trabalho e felizmente têm outro conceito dos valores que Passos Coelho colou a Dias Loureiro, a apologia deste tipo de carreira isenta de preceitos da ética e vazia de responsabilidade social é um insulto à sua inteligência e ao seu esforço. Resta-lhes por isso acreditar que tudo não passou de um erro, difícil de se perceber, mas ainda assim um erro. Mas, para que não restem dúvidas, o que se pede a Pedro Passos Coelho é que, entre duas vírgulas, diga apenas algo como isto: “Eu não vejo Dias Loureiro como um exemplo para vencer na vida nem recomendo aos portugueses, principalmente aos mais jovens, que o tenham como modelo nas suas opções de vida”. Não custa nada e ficaríamos todos bem mais tranquilos.
2. O sindicato que representa os pilotos da TAP teve por este dia o inestimável mérito de mostrar que, afinal, pode haver consensos entre os portugueses. Seja o Governo ou o PS, os que são contra ou a favor da privatização da companhia, mais à esquerda ou mais à direita, uma ampla coligação de cidadãos, partidos ou organizações cívicas estiveram unidos contra a franja de uma classe profissional que contra tudo e contra todos decidiu fazer uma greve de 10 dias. Até a CGTP, o Partido Comunista ou o Bloco prescindiram das suas tradicionais posições em relação aos conflitos laborais e dedicaram-se a fustigar o Governo sem se preocuparem em defender os pobres dos trabalhadores forçados à greve.
Não admira por isso que os resultados da adesão à greve se tenham tornado numa questão pessoal para a esmagadora maioria dos portugueses. O que estava em causa era muito mais do que o legítimo exercício de um direito: era uma afronta ao país. Com a companhia que será talvez a mais querida dos portugueses a arder, eles não se coibiram de exibir de forma despudorada os seus egos para ameaçar e exigir o que o não podiam nem deviam exigir. Ao pedirem para si próprios a reserva de uma parte do capital da empresa na privatização eles estão a querer ficar com um bocado de uma companhia que é de todos nós; ao exigirem diuturnidades em atraso desde 2011 eles estão a sobrepor-se ao esforço ao qual todos os servidores do Estado tiveram de se submeter em nome das políticas de austeridade do Governo.
Quando na sexta se soube que 70% dos voos se tinham realizado e 80% dos passageiros tinham chegado ao seu destino foi impossível não sentir no ar um certo alívio – esta foi a greve de pilotos menos participada de sempre, ao que se sabe. Mais do que o fracasso de uma luta reivindicativa o que os resultados mostram é a derrota de uma forma de estar arrogante e indiferente ao sentimento do país. Um pouco de decência deveria levar a direcção do sindicato a suspender a greve e demitir-se. Mas, como se parece dar bem com a aura de radicalismo que cultivou, esse desfecho é uma utopia.
3. O sms enviado por António Costa ao editor de economia do Expresso, João Vieira Pereira, é preocupante. Pelo que diz e pelo que deixa subentender. A intolerância pela liberdade de opinião e o tom autoritário e persecutório da linguagem que emprega mostram um candidato a primeiro-ministro incapaz de aceitar as regras do jogo do debate democrático. Depois de José Sócrates e, no Porto, de Rui Rio, só nos faltava mais um aspirante a pequeno ditador que confunde o confronto de ideias com ataques de carácter e a liberdade de expressão com o “insulto reles e cobarde”. Se Costa é assim agora que está em campanha, como será quando tiver nas mãos o poder?