Para o FMI, o Tribunal Constitucional é uma grande maçada
Numa altura em que o Governo ensaia um discurso de viragem, em que Pires de Lima até teve uma epifania e já fala em milagre económico, e em que vários membros do Governo já fazem promessas, mais ou menos veladas, de menor austeridade, eis que chega o relatório do FMI.
Um balde de água fria? Um banho de realidade? O FMI não se candidata às eleições em 2015 e por isso dispensa, e bem, demagogias. Mas o relatório publicado nesta quarta-feira é inspirado numa corrente de pensamento que só vê austeridade à frente. E quando o modelo não se adapta à realidade, a culpa nunca é do modelo. É sempre da realidade.
E uma das realidades em Portugal é que existem leis, algumas delas até são chamadas de fundamentais. O que salta à vista no relatório é o número de vezes que o FMI se refere ao Tribunal Constitucional. No relatório publicado hoje é referido por 28 vezes o ‘Constitutional Court’. E para o FMI o ‘Constitutional Court’ é um “factor de incerteza”, um “risco para a recuperação do investimento e do emprego” e com implicações negativas no “investimento e na confiança”.
O FMI ainda não percebeu uma coisa importante. Quando desenha os seus modelos econométricos, existem varáveis e constantes. As previsões de receitas e despesas são variáveis. Mas o TC é uma constante. A Constituição não é “adaptável” aos humores dos nossos credores e os juízes que estão no Palácio Ratton não são, ao que se sabe, uma força de bloqueio político. As medidas propostas pelo FMI, sejam cortes de salários na função pública, sejam cortes de pensões na CGA, têm de ser feitas no quadro da Lei Fundamental. Se não forem constitucionais são chumbadas. É uma maçada, mas é a vida. Ou melhor, é a lei.
Onde falta bom sendo ao FMI a falar sobre a Constituição, sobra quando fala sobre os impostos. O perdão fiscal que o Governo vai usar para “tapar” o buraco do défice deste ano é um moralmente reprovável e significa beneficiar o infractor. Já foi feito no tempo de Ferreira Leite e volta a ser feito este ano. E quem foge aos impostos sabe que, mas tarde ou mais cedo, quando o Estado estiver a precisar de dinheiro, estará sempre disposto a perdoar os prevaricadores.
O FMI diz, e bem, que a descida do IRC às empresas é “cega” e vai favorecer mais os sectores não-transaccionáveis que tendem a ser estruturalmente mais lucrativos do que o sector de bens transaccionáveis". E sobre as promessas de baixar o IRS em 2015, feitas no Guião da Reforma do Estado de Paulo Portas, o FMI, numa linguagem diplomática, diz que "há pouca margem”. E se fosse numa linguagem mais desabrida diria ‘esqueçam lá isso’. E faz questão de lembrar o objectivo do défice de 4% em 2014, de 2,5% em 2015 e depois disso chegam as amarras do Pacto Orçamental.
Onde o FMI continua com uma ortodoxia quase desconcertante é na questão dos salários. Continua a defender de uma forma quase cega a necessidade de baixar salários como forma de espevitar a competitividade. Isto num país em que o custo de trabalho por hora é menos de metade do que a média europeia. A proposta do FMI faria sentido se a economia portuguesa estivesse a enfrentar um problema do lado da oferta, ou seja, alguma falha ou disrupção do lado dos factores de produção (neste caso, o factor trabalho). O problema é que a economia está a enfrentar um problema do lado da procura, já que o aumento brutal dos impostos retirou às pessoas o rendimento disponível para consumir (uma variável que representa 60% do PIB).