Negação inculpante

Esta história começou, como se lembram, com a eleição do novo governo grego, a que em geral os restantes governos europeus reagiram fleumática e circunspectamente. Passos Coelho, pelo contrário, embarcou num raro ataque a um governo de um outro estado-membro que ainda nem tinha sequer tomado posse, declarando que as suas ideias eram “um conto para crianças”. Passos Coelho, note-se, é o homem que chegou ao poder dizendo que já bastava de sacrifícios e que não iria cortar em salários nem em pensões. Ao criticar o governo grego Passos Coelho fala ao abrigo da sua liberdade de expressão, mas não revela sentido de estado, nem tato diplomático — e, acima de tudo, não pode dizer que foram outros a iniciar a guerra de palavras.

Passaram semanas impróprias para cardíacos na Europa. Por três vezes se tentou chegar a um acordo sobre a Grécia no eurogrupo, e só à última se conseguiu. E durante essas semanas, de diversas fontes, confirmou-se uma tendência: o governo português estava entre os que mais dificultavam o encontro de uma solução, junto com o governo espanhol. Os governos ibéricos tinham em comum as eleições e o medo de que todo o seu discurso dos últimos anos pudesse sair refutado na prática por qualquer sucesso, ainda que parcial e gradual, do governo grego.

A imprensa especializada internacional referiu-se a essa atitude antes da reunião decisiva do eurogrupo, e após essa reunião a imprensa alemã, citando fontes do governo alemão, assinalou também que o governo português tentara até ao último momento forçar uma atitude dura por parte da Alemanha. Nas instituições europeias esta posição do governo português é tida por evidente, e as razões para ela não são difíceis de descortinar.

O governo português apercebe-se de que esta é uma posição embaraçosa. Vista de fora, expõe Portugal a uma reputação desagradável. Vista de dentro, deixa claro que a atitude do governo não está em linha com o interesse nacional (e muito menos com o interesse europeu) mas se explica apenas pelo interesse próprio dos políticos que compõem o governo, das suas carreiras, das suas imagens. Quando o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras menciona o facto num encontro do seu partido não diz mais do que o óbvio: os governos de Portugal e Espanha fazem parte de uma frente conservadora e pretendem evitar que as eleições tragam aos seus países novos governos que venham reforçar o lado da alternativa progressista.

O que aconteceu em resposta a isto ainda não está bem explicado. O governo espanhol garante que, por iniciativa do governo português, foi apresentado um protesto em Bruxelas contra o governo grego. O governo português diz apenas que não enviou nenhuma carta. Porquê amplificar em Bruxelas o que se pode tentar resolver com Atenas? Porquê baralhar as pistas logo depois de o fazer?

É claro que não se apaga uma guerra de palavras levando-a mais longe e não se passa uma imagem de seriedade tentando negar o que se fez. É fútil, é pueril, não dignifica o governo, só ajuda a confirmar a história inicial — e, sobretudo, Portugal não merece isto.

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