Dois relatórios
Considero essencial a prestação de contas sobre o trabalho realizado, sobretudo quando estão em causa serviços públicos. A cultura de avaliação, sobretudo através de avaliador externo, é essencial para garantir a qualidade da informação, a justeza das conclusões enunciadas à partida e o planeamento para o futuro. Em Portugal, ainda são frequentes as opiniões apressadas e as declarações prestadas sem reflexão, baseadas em premissas pouco ponderadas ou em pressupostos ideológicos de quadrantes diversos.
A cultura de avaliação deve ser incutida à partida, logo que a acção começa a ser delineada. Qualquer projecto de investigação/acção pressupõe o estudo prévio do universo que se quer estudar, a descrição da metodologia a utilizar para o estudo de uma amostra definida com rigor, e a perspectiva da avaliação das propostas em causa. Sem esse rigor metodológico, as conclusões permanecem pouco fundamentadas e passam a constituir apenas um contributo eventualmente interessante, mas que não contribuirá para o esclarecimento do problema.
Nesta linha de raciocínio, merecem aplauso a divulgação recente de dois relatórios, o da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR) e o do Observatório Europeu das Drogas e Toxicodependência (OEDT).
No primeiro caso, concluiu-se que, no ano de 2014, mais crianças foram expostas à violência doméstica do que no ano anterior, tendo sido aplicadas mais 2437 medidas de protecção do que em 2013. Também os “procedimentos de urgência”, utilizados para o afastamento imediato da criança em situação de perigo iminente e grave para a sua integridade física, sofreram ligeiro aumento. No que diz respeito às participações por bullying, foi atingido o número 300, nunca antes alcançado, mas fica-se na dúvida se o conceito de bullying foi aplicado com rigor, o que nem sempre acontece. De facto, é frequente a confusão entre comportamentos de troça ocasionais, compreensíveis no contexto da interacção juvenil, com o conjunto de humilhações e provocações continuadas que caracterizam o verdadeiro bullying. Neste último caso, trata-se de uma série de comportamentos de humilhação sistemática de um (ou vários) estudantes sobre um colega (ou grupo de colegas), em que predomina o poder de quem é mais forte. Neste sentido, o bullying é um processo, não um comportamento ocasional de troça, por mais desagradável que este possa ter sido.
Na análise destes números, fica sempre a dúvida: o problema está a aumentar, ou há mais participações por aumento da consciência sobre a questão? Seja como for, este relatório deve implicar maior apoio ao trabalho da CNPCJR e de todas as comissões locais, através da contratação de mais técnicos a tempo inteiro e do aumento da supervisão, articulação com outras estruturas e avaliação externa.
Quanto ao Relatório da OEDT, sobressai o menor consumo de drogas pelos portugueses, em relação aos outros europeus, mas continua a verificar-se uma elevada taxa de contaminação de VIH intravenoso; e nas mortes por sobredosagem é grande o peso da utilização das benzodiazepinas, infelizmente muito utilizadas no nosso país. Também não podemos esquecer que é de 9,4% o índice de consumo de cannabis, número bastante inferior ao da média europeia, mas que continua a exigir medidas preventivas continuadas nas escolas, o que infelizmente não tem acontecido.
São dois relatórios a merecer reflexão continuada.