Cartas à directora 26/09

A direita revolucionária

Sabem por que razão a tão aguardada e propagandeada reforma do mapa judiciário, a primeira grande reforma estrutural do novo Portugal, redundou numa enorme tragédia? Pela mesma razão que os nossos tribunais e restantes serviços públicos funcionam mal e vão continuar a funcionar mal. Ou seja, foi feita por portugueses e à portuguesa que é, como diz, feita às três pancadas por gente incompetente, irresponsável e inconsciente. Aliás, é preciso ser muito inconsciente para avançar com uma reforma judiciária desta dimensão, com a mobilidade de mais de 3 milhões de processos, que não tinha nada para dar certo: as instalações não estavam construídas, os funcionários estavam em falta, o sistema informático não tinha capacidade de resposta, para além de ter todos os operadores judiciários e o país político mobilizados contra esta reforma.
As grandes reformas sempre se fizeram por pequenos passos. O bom é inimigo do óptimo. Mas a direita portuguesa não é reformista é revolucionária, muito fruto do facto de as suas elites provirem da extrema-esquerda. Por isso, quando ouvimos os líderes da opinião da neo-direita portuguesa defenderem reformas estruturais, o que eles verdadeiramente defendem são revoluções estruturais, com a destruição e substituição de sistemas, organizações e instituições que consideram obsoletos e verdadeiros entraves à construção do Homem Novo Português e do Portugal Novo.
Acontece que o nosso problema não é estrutural, é cultural. Os sobreiros não dão laranjas. É possível melhorar a qualidade da cortiça, tomar medidas para combater as pragas do sobreiro, reflorestar… mas há uma coisa que podem ter a certeza: os sobreiros não dão laranjas. E a ministra da Justiça quis que os sobreiros dessem laranjas. Não dão.
E não sei, neste momento, o que é mais gritante, se os danos e as lesões profundas e irreparáveis nos direitos dos cidadãos, em particular, e na justiça, em geral, se o silêncio dos líderes de opinião da neo-direita revolucionária que embandeiraram em arco com implementação contra tudo e contra todos da primeira grande revolução estrutural do Portugal Novo.  
Os custos desta irresponsabilidade revolucionária vão ter consequências bastante graves quer no Orçamento de Estado (as despesas vão começar a brotar de todo o lado e de onde menos se espera), quer nos bolsos dos contribuintes e nos direitos dos cidadãos (para compensar as inevitáveis derrapagens orçamentais), quer na qualidade e celeridade da justiça (o bloqueamento do sistema vai gerar um efeito de bola de neve). Ficou tudo pior e mais caro. E vão ser necessários anos para reparar esta irresponsabilidade. Razão tinha Poiares Maduro quando disse que este era o governo mais esquerdista que Portugal já teve. Não tenho quaisquer dúvidas.

Santana-Maia Leonardo, Presidente do Agrupamento de Abrantes da Ordem dos Advogados

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