Cartas à Directora

O exemplo de Marques Mendes e D. João II

No seu comentário semanal, Marques Mendes escolheu um excelente exemplo para explicar aos portugueses como funciona o sistema parlamentar nas democracias ocidentais. Disse ele que, se o PS formasse governo com base numa maioria de esquerda, era o mesmo que a selecção portuguesa não ser apurada para a fase final do Europeu, em virtude dos restantes clubes se coligarem e somarem os seus pontos.

O exemplo escolhido é excelente, se não tivesse sido manipulado, por força do clube do coração. Que Portugal foi o primeiro do grupo e, por essa razão, tem o direito de passar à fase seguinte é incontestável. Mas isso não significa que seja já declarado campeão europeu ou que um clube que tenha ficado em 2º ou 3º lugar da fase de apuramento não possa vir a ser o campeão.

Nas democracias ocidentais, passa-se rigorosamente o mesmo. Com efeito, também existe uma primeira fase de apuramento dos deputados através do voto popular. E, depois, existe uma fase final para consagração do governo através do voto dos deputados. É, por isso, perfeitamente possível e natural que quem venha a vencer a fase final não tenha ficado em primeiro lugar na fase de apuramento.

Quando ouço os nossos comentadores, jornalistas e constitucionalistas, a colocar em causa a legitimidade de António Costa ser primeiro-ministro, pelo facto de o PS não ter sido o partido mais votado, das duas: ou o fanatismo clubista cega esta gente ou são, pura e simplesmente, ignorantes sobre matéria elementar que estavam obrigados a conhecer, por força das funções que desempenham.

Esta gente tinha a obrigação de saber e, consequentemente, contribuir para esclarecer os portugueses de que, nas democracias ocidentais, as eleições legislativas, por força da separação de poderes, não se confundem com eleição do presidente da câmara, como parece resultar da maioria da opinião pública e publicada. Da mesma forma que as democracias ocidentais não se confundem com democracias plebiscitárias, à moda sul-americana ou africana, em que a ditadura da maioria esmaga as minorais e a Liberdade. Sendo certo que a nossa cultura democrática, a fazer fé no que para aí se vê e ouve, identifica-se perfeitamente com este tipo de regimes, basta ver o que se passa nas câmaras e o que se passou na Madeira.

Isto não significa, obviamente, que eu fique contente por ser governado pela coligação de esquerda, tal como não ficaria contente em continuar a ser governado pelo PAF. Quando um país segue na direcção errada, é indiferente ir pela estrada da direita ou da esquerda. Essa foi, aliás, a razão por não votei nas legislativas. Com efeito, todos os partidos concorrentes a estas eleições propuseram-nos chegar à Índia navegando para Oriente. Faltou, nesta eleições, o partido de D. João II. Só ele era capaz de defender a solução certa para chegar à nossa "Índia": contornar o Cabo das Tormentas e navegar para Oriente.

Santana-Maia Leonardo, Ponte de Sor

 

Os sound bites

Afinal as eleições de 5 de outubro estão a trazer novidades ao nosso teatro político. PSD-CDS, aliás PàF, ganharam e como já governam há quatro anos os portugueses, pareceram, interiorizar de imediato a continuidade das ideias de Passos e Portas. Mas. Sim, mas agora estamos a entender que afinal, tudo pode ser diferente. Até temos a possibilidade de um governo PS, PC e BE. Também já percebemos, tal como uma espécie de sondagens, os "sound bites" que anunciam o perigo para Portugal se tal hipótese se concretizasse. Os condutores desses anúncios esquecem-se da importância, agora, da prática democrática. Podem anunciar a instabilidade. Assim também estivemos estáveis durante mais de quarenta anos e, na altura certa, a grande maioria dos portugueses celebraram a mudança.  

Gens Ramos,  Porto

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