Cartas à Directora

O triunfo dos porcos

O povo português, não há como negá-lo, sempre nutriu uma reverência saloia pelo uso dos “dr” e “eng”. Mas também é verdade que, com a democratização do ensino, o uso destes apêndices se generalizou, deixando de ser uma referência elitista. E hoje não sei o que é mais pindérico: se o tratamento por “dr” ou o pretender-se acabar com ele com o argumento de que, no estrangeiro, ninguém o usa. Ora, o que faz Portugal ser uma nação diferente é precisamente ter uma identidade cultural própria. Não temos, por isso, de nos “estrangeirarmos”.

E era bom não esquecer que o “you” inglês não corresponde ao nosso “tu”. Sendo certo que os portugueses não conhecem o meio-termo, oscilando sempre entre o 8 e o 80. E a verdade é que o tratamento por “dr” acaba por funcionar, quase sempre, como o único travão para a conversa não descambar na falta de respeito e de educação. Os professores ainda hoje estão a pagar o preço dos facilitismos de linguagem em que se deixaram enredar no pós-25 de Abril em que era tudo “tu cá, tu lá”.

Quanto à deliberação da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo de acabar com o tratamento por “dr” e “eng”, o que escandaliza não é propriamente o fim deste tipo de tratamento nas Assembleias e na Câmara (até é ridículo ter de haver uma deliberação para esse efeito) mas a invocação do princípio republicano da igualdade para fundamentar a deliberação e a pretensão de a estender a toda a área do município, quando é certo que as Quintas dos Animais em que se transformaram as nossas autarquias são as mais ferozes opositoras à implantação do princípio republicano de não perpetuação das mesmas pessoas no poder.

Aliás, se dermos a volta a Portugal facilmente constatamos que quase todos os municípios têm o seu porco Napoleão que gere a seu bel-prazer toda a vida do município, ao ponto de agora até querer impor a forma como as pessoas se tratam. Não tarda nada até os meus filhos vão ser impedidos de me tratar por pai, por imposição do princípio republicano da igualdade que apenas admite, pelos vistos, três excepções: "presidente da câmara", "vereadores" e "deputados municipais". Obviamente. Na Quinta dos Animais, há sempre uns animais mais iguais do que os outros...

E não me venham com a lengalenga de que a perpetuação monárquica dos autarcas nos cargos decorre do voto popular porque um factor crucial para se considerar que uma democracia está consolidada é, segundo Samuel Huntington, o chamado "double turnover test": a realização de, pelo menos, duas eleições livres com mudança das maiorias vencedoras.

Ora, em Portugal, poucas são as autarquias que se podem gabar de ter uma democracia consolidada. E não têm uma democracia consolidada porque o presidente da câmara controla todo o colégio eleitoral através de subsídios, emprego público, contratação pública, colocação de homens de mão nas associações, controlo da comunicação social local, etc. Situação que vai agora ser reforçada com a entrega aos municípios das escolas básicas e secundárias. Bem prega Frei Tomás…

Santana-Maia Leonardo, Abrantes

 

O crime não compensa o crime

A carta com o título “O crime não compensa” publicada em 3/7/14 afirma que a criança vítima do disparo de um GNR à viatura de uns ladrões em fuga “viria a morrer acidentalmente” (sic). Decerto não houve intenção do agente de matar os perseguidos, mas não poderia ignorar tal eventualidade. Houve violação da lei que é clara ao considerar crime o uso de armas, salvo no caso de ameaça à vida. Ora um ladrão em fuga não ameaça a vida de ninguém e a lei é mais severa para quem, como um agente da autoridade, pode andar armado. “A negligência e a irresponsabilidade do pai” (sic) que transportava o seu filho menor na sua atividade delinquente não desculpa a negligência de um agente que recebeu formação para usar armas. Devemos combater a cultura da resolução da delinquência a tiro inculcada pelos filmes do “far west”.

M. Gaspar Martins, Porto

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