Cartas à Directora
Venha cá!
0,99€. 4 kgrs de absorvente para gato (e gata)!
Um certo estímulo empurrou-me para dentro da “grande superfície”. Não! Não estou a falar da “catedral” do glorioso mas duma catedral do consumo, de um hipermercado.
Uma experiência que, como diria o Ronaldo, “não há palavras!”. Valeu a pena. Oh, se valeu! Acima de tudo, pelo absorvente. 50% de desconto!
Mas, além do absorvente, o que ali mais me absorveu foi a “doçura” que “pingava” da cara das pessoas que se acotovelavam (e sabe-se lá mais o quê…), apesar da “grandeza” da superfície. Todas com tal ar de felicidade!
E no entanto – pensei, como pensaria Gilles Lipovetsky –, uma “felicidade paradoxal”.
Pois não é um paradoxo que, num dia de “feriado obrigatório” (Artigo 234.º do Código do Trabalho), tal “superfície”, apesar de tão “grande”, se encontrasse pejado de pessoas a trabalharem e com um ar tão feliz?!
Não, não me refiro aos(às) trabalhadores(as)-caixa, os(as) quais, não obstante eficientes, disponíveis e atenciosos(as), aguentavam (que remédio, lá fora está o desemprego…) a dança do torce-torce músculo-esquelético da movimentação das mercadorias e do pagamento dos euros que hão-de seguir para a Holanda.
Refiro-me aos clientes, eles próprios, ali, tão felizes, a trabalharem, pois então. Dando à perna à procura das “promoções” na grandeza da superfície, empurrando (ou alombando) a mercadoria e, ainda, trabalhando (passivamente) na “bicha” da caixa. Trabalho este – o dos clientes na “bicha” - que encerra particulares paradoxos, pois que é tanto mais “suplementar” quanto menos trabalhadores(as)-caixa o supermercado admite (ou mais despede) e quanto mais intensificado é o trabalho dos(as) que lá restam.
Mas a relação entre trabalho e consumo é farta nestas lógicas paradoxais. Afinal, como escreveu Jean Baudrillard, (também) “o trabalho é objecto de consumo”. E vice-versa. E também é bem verdade que quanto mais consumimos mais trabalhamos. E vice-versa.
Enfim, somos cada vez menos trabalhadores na medida em que somos cada vez mais consumidores. E, por certo prisma,…vice-versa.
Também já a trabalhar na “bicha” da caixa, estava eu nestas reflexões tão absorvido que ia saindo sem pagar o absorvente. Isto não fora ter ouvido de novo a voz “doce” do tal estímulo que, neste Dia do Trabalhador, me levou a entrar para também “trabalhar” ali, na tal “grande superfície”: Venha cá! Venha cá!
João Fraga de Oliveira, Sta Cruz da Trapa
Eu não quero os Miró
Não entendo tanto assanho e agitação contra a saída do país da colecção Miró, ex-BPN. Em primeiro lugar é de realçar que a sua compra não foi feita com fundos próprios de alguém. Foi mais uma parcela do saque aos dinheiros públicos que tanto está custa a limpar. Por isso, há alguma justiça em os vender e reembolsar o contribuinte que não foi tido nem achado nem representado na transacção inicial. Depois, qual o significado de ter uma colecção do pintor catalão em Portugal? Algum, mas não muito…
E se o produto dessa venda fosse aplicado a restaurar, conservar e promover património genuinamente português em risco? Culturalmente será muito mais relevante e prioritário ver a nossa herança cultural salvaguardada do que ter aqueles quadros algures numas salas em Lisboa.
Carlos J F Sampaio, Esposende