As lágrimas das carpideiras
Nestas situações recorre-se sempre a alguns “especialistas” que, na maior parte dos casos, tendem a carregar com cores mais sombrias os títulos já de si negros do nosso atraso educativo. Houve mesmo quem antecipasse: “A elevada taxa de abandono escolar que se regista no país vai crescer ainda mais no futuro”, atendendo à situação social de muitas famílias e dos seus filhos.
Fora dos títulos ficou a conclusão da Comissão Europeia de que Portugal foi o país onde, nos últimos cinco anos, se verificou a maior baixa deste indicador: de 39,1% registados em 2006, passou-se para 23,2%. Em qualquer outro contexto, esta teria sido a notícia e o título não poderia traduzir outra coisa senão tão inusitado desempenho.
O segundo tipo de comentários que ouvi e li prendia-se com as razões dessa baixa acentuada do abandono escolar precoce: uns atribuíam o fenómeno à escolaridade obrigatória de 12 anos, outros ao aumento da oferta pública de ensino profissional. Ou seja, centravam nas medidas de política educativa a razão desta redução do abandono. Quem direta ou indiretamente se associou a essas medidas até se poderia sentir recompensado por, de alguma forma, ter contribuído para tal resultado. Só que manda a prudência e o rigor que não nos precipitemos, nem a apanhar as lágrimas das carpideiras nem a recolher os louros dos campeões.
Proponho-vos um exercício de reflexão em torno do Gráfico 1, onde se representa a evolução das taxas de abandono e as do desemprego jovem. Dele poderemos concluir que a referida taxa de abandono tem vindo a baixar de forma sustentada desde 2002 e que o seu comportamento está na relação inversa com a taxa de desemprego dos jovens com menos de 25 anos.
O segundo gráfico destaca essa relação que sugere a hipótese explicativa: quanto mais alta a taxa de desemprego menor será a taxa de abandono. O que é que isto significa?
Em primeiro lugar, permite-nos concluir que o efeito do mercado de trabalho sobre a escolarização é considerável. Se existem oportunidades de inserção precoce no mercado de trabalho, especialmente em períodos de rápido crescimento económico e de criação de postos de trabalho, as expectativas de abandono do sistema de ensino tendem a aumentar. Caso contrário, em períodos de escassas oportunidades e elevadas taxas de desemprego, os jovens tendem a prolongar a sua escolarização, mantendo-se até mais tarde no sistema de ensino.
Esta elevada sensibilidade da escolarização às oportunidades de inserção precoce no mercado de trabalho é característica saliente na sociedade portuguesa, onde até há não muitos anos se denunciavam as situações de trabalho infantil. Esse fenómeno era uma consequência do baixo valor da escolarização e da incapacidade de o sistema de ensino responder com ofertas adequadas e valorizadas à atração do emprego precoce. Mesmo que o retorno marginal de mais um ano de escolaridade fosse dos mais elevados no quadro europeu, a sua utilidade social não era reconhecida.
O problema era ainda mais grave: tratava-se de um abandono sem que os jovens adquirissem as competências mínimas para uma inserção qualificada no mercado de trabalho. A segunda metade da década de 1990 é um bom exemplo de como baixas taxas de desemprego dos jovens coincidiram com uma inversão da tendência de redução do abandono. Porém, era um abandono desqualificado e este era um dos principais fatores de reprodução das desigualdades de rendimento. Curiosamente foi dos períodos em que mais se falou da igualdade de oportunidades, da educação para a igualdade social e do sonho de um dia todos poderem ter um curso superior.
Atualmente, os tempos são outros: o elevado desemprego entre os jovens sustenta a redução do abandono e o aumento da escolarização. Se assim é, então faça-se um esforço por proporcionar uma escolarização qualificante, mantendo a aposta no ensino vocacional, independentemente do modelo mais ou menos alemão ou mais ou menos compulsivo, apesar das carpideiras ...