Aqui há gato
Não fui verificar, mas presume-se que nos anos 90 não fosse muito diferente. E graças a uma investigação de José António Cerejo e Paulo Pena neste jornal, sabemos que — com ou sem exclusividade — Pedro Passos Coelho declarou ter recebido por trabalhos extra-parlamentares, em cerca de três dos oito anos em que foi deputado nessa época, cerca de quinze mil euros.
Armados destas informações, podemos então apreciar a enormidade do que sucedeu ontem, quando o atual primeiro-ministro foi interrogado sobre informações de que teria recebido avultados pagamentos regulares e indeclarados de uma empresa privada, durante o seu mandato como deputado. Com extraordinária desenvoltura, para não lhe chamar descaramento, Pedro Passos Coelho anunciou que iria solicitar à Procuradoria-Geral da República que investigasse se ele recebeu cerca de cinco mil euros por mês, durante três anos, da empresa Tecnoforma, por serviços que "possa" ter desempenhado, no quadro de uma relação jurídica que "possa" ter tido com esta empresa.
Apesar de tudo, a maior parte de nós ainda se lembra do que fez nos anos 90. E uma coisa é garantida: se ganharmos durante três anos o dobro do nosso vencimento, isso não é coisa que esqueçamos facilmente. Muito menos é coisa que tenhamos esquecido por acaso de declarar às finanças se por acaso tivermos ganho, numa "relação jurídica" com uma empresa, dez vezes mais do que auferimos em três anos de trabalhos adicionais à nossa atividade principal.
Antes que vire moda, e os portugueses comecem a pedir à Procuradoria-Geral da República que vá lá a casa ver se há moedas esquecidas entre as almofadas do sofá, há que pôr cobro a isto. Sr. primeiro-ministro, ganhou ou não este dinheiro? Se ganhou, porque não declarou? Se não ganhou, porque deixou sempre estas perguntas por responder?
Pedro Passos Coelho não pode deixar para a Procuradoria-Geral da República uma pergunta a que tem obrigação moral e política de responder pessoal e imediatamente. Porque começa a haver apenas uma explicação plausível para a sua falta de memória: que Pedro Passos Coelho não se lembre do que fazia na Tecnoforma. Para ganhar cinco mil euros por mês, nos anos 90 ou hoje, é preciso fazer por isso. E se Pedro Passos Coelho não tem atividade para mostrar à frente do Centro Português para a Cooperação, a ONG que a Tecnoforma fundou para... outra boa pergunta: para quê, exatamente? A grande dúvida aí começa a ser: por que estranho motivo poderia uma empresa privada querer pagar cinco mil euros por mês a um jovem político à espera de mais altos voos para este não fazer nada de que se lembre? E o problema é que, caso cheguemos aí, esta é uma daquelas perguntas que se responde a si mesma: o político queria receber e a empresa queria que o político lhe ficasse a dever.
A suspeita é demasiado grave para que Pedro Passos Coelho endosse o esclarecimento a qualquer outrem exceto a quem o olha ao espelho quando se barbeia de manhã. Caso contrário, aqui há gato. Mas não é daqueles que caem de pé.