A demissão: o acto que faz falta à política
Em Portugal, esquecemos com muita facilidade, mesmo as situações graves, e nem sequer actuamos quando podemos punir da forma mais óbvia, ou seja, nas eleições.
A ausência de responsabilidade política é uma das atitudes que mais choca o cidadão comum, e uma das que mais degradam a confiança da sociedade nas instituições democráticas.
Num contexto judicial, compete ao acusador demonstrar a veracidade dos factos que são imputados, mas em política, compete ao responsável político demonstrar que as acusações que sobre ele recaem são falsas, pois esta é a única forma de preservar a confiança dos cidadãos. Nos países em que a democracia tem um percurso mais consolidado, em que a sociedade civil é mais atenta, consciente, e de modo geral menos tolerante à corrupção, prevalece a lógica natural de demissão voluntária de um político sempre que perde a confiança dos seus eleitores, em especial quando se instala uma suspeita de comportamento incorrecto, ou se verifica um incumprimento claro das suas promessas eleitorais.
Em Portugal não é assim; os nossos políticos tendem a fugir à demissão, mesmo quando todas as evidências revelam atitudes de extrema gravidade. Sobejam, aliás, os arguidos que invocam consciência tranquila quando as provas de acusação são demasiado óbvias.
Mas vale a pena reflectir sobre as razões que levam a nossa sociedade a aceitar, com relativa passividade, os comportamentos menos virtuosos dos seus actores políticos. Em boa verdade, a forma pouco determinada com que combatemos a corrupção, em todas as instâncias, a tolerância com que aceitamos a incapacidade das instituições para executarem o papel punitivo que lhes compete, são atitudes que criam um ambiente favorável à permanência dos políticos corruptos ou incapazes, e favorecem a sua clássica indisponibilidade para se demitirem quando sobram os motivos. Os pequenos actos de corrupção do dia a dia, que acabamos por aceitar e em que tantas vezes somos agentes ou mesmo cúmplices, tornam mais difícil a percepção da sociedade sobre a importância relativa de qualquer prática de corrupção por parte de um político.
Por outro lado, a sociedade civil é demasiado frágil, e pouco convencida da sua importância enquanto agente regulador destes comportamentos, até porque muitas vezes não encontra o palco em que pode actuar; fora dos partidos políticos, a intervenção política está confinada a plataformas muito limitadas e informais de intervenção, cuja eficácia é claramente reduzida.
Para além do acto eleitoral, de que mecanismos dispõe o cidadão comum para afastar do cargo um político comprovadamente desonesto ou incompetente? Em Portugal, nenhum. Mas a verdade é que a permanência destas pessoas corrompe a confiança, e sem esta não há progresso em democracia. A situação torna-se ainda mais complexa porque a percepção colectiva é muito condicionada pela nossa própria cultura; esquecemos com muita facilidade, mesmo as situações graves, e nem sequer actuamos quando podemos punir da forma mais óbvia, ou seja, nas eleições.
Não acredito que a nossa atitude mude radicalmente nos tempos mais próximos, mas não conseguiremos mudar Portugal sem consagrarmos esse novo caminho.