Para baixo todos os santos ajudam?
Entre os socialistas procuram-se antes os "diabos" que têm vindo a atrapalhar uma máquina antes vista como invencível
Não devia ser mas é, sobretudo nos dias de hoje: a política tornou-se num exercício tão volátil como as bolsas em tempo de euforia ou pânico. E nem sempre pelos motivos mais racionais.Desde as eleições europeias, em que sofreu uma derrota com que não contava e, sobretudo, por números que ninguém imaginava, que tudo parece estar a correr mal ao PS. Lembra uma daquelas equipas de futebol em dia não, onde por mais que se esforce tudo sai mal. Primeiro foi a tentativa de transformar o "animal feroz" num político humilde, exercício condenado ao fracasso e, aparentemente, já abandonado. Depois uma "semana horribilis" em que a compra da TVI pela PT colocou o Governo em embaraços e o primeiro-ministro teve, no Parlamento, um dia para esquecer, com ministros a contradizerem o primeiro-ministro e o nervosismo a tornar-se evidente.
E quando, finalmente, os socialistas pareciam ter encontrado uma estratégia - se bem que algo trôpega - para tentar partir ao contra-ataque de um PSD que, mesmo vitorioso, padece de muitas fragilidades, eis que Manuel Pinho perde a cabeça na Assembleia da República e, pouco depois, o lugar de ministro. A crueldade da imagem dos "corninhos" pode mesmo transformar--se no pesadelo de um primeiro-ministro que colocou a imagem no centro da política, muitas vezes esquecendo a substância.
Há ironias na história, mas aquilo que se está a passar não é apenas um conjunto de coincidências e azares. Mais: para os socialistas, coloca problemas sérios que as sondagens já publicadas sobre as eleições de 27 de Setembro já começam a reflectir.
Um dos mais citados "mistérios" desta legislatura era a aparente capacidade de o PS e de José Sócrates resistirem, a acreditar nas sondagens, a tudo e todos, mesmo quando as medidas impopulares se multiplicavam. Havia como que um "escudo invisível" que parecia proteger o Governo. Na verdade, o facto de o PS sempre ter estado à frente do PSD, apesar de todos os tropeções da governação, escondia duas tendências de fundo. A primeira é que há muito, muito tempo que os socialistas não aparecem com níveis de intenção de voto capazes de lhes garantirem a repetição da maioria absoluta; a segunda que isso se tornou uma constante desde que Sócrates teve de enfrentar o seu primeiro grande problema de relação com o comportamento exemplar que se exige aos políticos, em concreto o conhecimento público das circunstâncias em que terminou a sua licenciatura.
Muitos portugueses deixaram de o ver apenas como o governante corajoso e determinado e começaram a duvidar dos métodos que utilizava. No fundo, perdeu o estatuto de intocável, e isso reflectiu-se nas sondagens.
Agora o problema é diferente: até às europeias, Sócrates podia não ser intocável, mas parecia imbatível. Esse mito quebrou--se. E um PS que muitas vezes o suportava mais do que amava, começou a ficar nervoso. Hoje isso tornou-se tão evidente que até houve necessidade de mudar de porta-voz.
Tudo isto não impede que os socialistas ainda sejam quem tem mais condições para ficar à frente nas próximas eleições, mas é cada vez mais difícil imaginar que conseguem repetir uma maioria absoluta - mesmo reconquistando Alegre para as listas. Até porque o tempo é pouco, a crise não ajuda e as férias estão à porta.
Daí que, se alguma coisa o PS pode aprender com os dias difíceis que tem vivido é que quando a imagem tende a ser tudo, uma imagem falhada é ainda mais cruel do que uma política mal sucedida.
Não admiraria que, por estes dias, no Largo do Rato, se exorcize o velho ditado popular de que "para baixo todos os santos ajudam". É que nesta descida o protagonismo parece ser todo de "diabos" vindos de onde menos se espera...