Pacheco Pereira e a guerra do Iraque
A tese de Pacheco Pereira continua a ser omnisciente, intolerante e dogmática. Dantes era de esquerda, agora é de direita
Há mais duas "vítimas" da invasão do Iraque que até agora ainda não tinham sido contabilizadas e que só há poucos dias foram reveladas: os publicistas neoconservadores José Pacheco Pereira e José Manuel Fernandes. Felizmente estão vivos, não foram alvo de bombardeamentos americanos nem de atentados da Al-Qaeda, mas é suposto terem sido vítimas dos ataques soezes de "uma pequena turba" (de esquerda, claro!) que os acusa de um grave "delito de opinião": "terem estado a favor da invasão do Iraque".Quem fez esta revelação sensacional, em artigo no PÚBLICO, foi precisamente uma dessas vítimas, o ilustre publicista José Pacheco Pereira. Sucede que ele continua a dar opiniões em tudo o que é órgão de comunicação social, desmentindo assim, sem se dar conta disso, os seus próprios receios de "prisão e banimento", "ostracismo e incapacidade cívica", "punição, censura, opróbrio, confissão pública do crime, rasgar das vestes" e, até, suplícios num "pelourinho" - para citar o que ele escreveu, porventura sob a influência pascal do Evangelho Segundo S. João.
Pacheco Pereira diz que foi acusado de cometer "delito de opinião", mas não diz concretamente quem o acusou, como e quando. É claro que está a mentir e não apenas a exagerar recorrendo a uma figura de retórica. O que ele pretende é apresentar-se como vítima e dar largas ao seu complexo de perseguição. Mas este é um problema recorrente de quem já foi da extrema-esquerda, decidiu passar-se para a direita e não pára de exorcizar em público os fantasmas ideológicos do seu passado.
Pacheco Pereira quer apontar os "erros clamorosos da Administração Bush", o "modo ingénuo, ignorante e incompetente como foi previsto o período de ocupação" do Iraque, "a imprudência e a impreparação americanas". Mas não admite que o confundam com a maioria daqueles que sempre se manifestaram contra a invasão e a ocupação. Porque, escreve, "uma coisa é criticar os americanos pela sua ocupação do Iraque e outra é contestar a decisão de invadir". Uma subtileza que escapou à "turba".
O artigo em causa (que promete continuação) é um modelo de hipocrisia política e de desonestidade intelectual. É um atentado contra a inteligência do próprio autor, que dá provas de um antiesquerdismo mais primário do que o antiamericanismo de que se queixa. A técnica adoptada é a da desqualificação dos adversários da invasão e da ocupação do Iraque, tratados como "uma pequena turba" de débeis mentais cheios de slogans tribunícios e "tiques" ideológicos. A inexistência de armas de destruição maciça, tal como a inexistência de apoios de Saddam Hussein à Al-Qaeda, também são consideradas irrelevantes, com o claro propósito de desqualificar os protestos contra as mentiras de Bush, Blair, Aznar e Durão Barroso. Uma vergonha!
A tentativa de desqualificação dos que sempre foram contra a guerra, a peregrina tese do "irritante geral" que era urgente erradicar, a incoerência dos argumentos a favor da invasão, os insultos à tão odiada esquerda e o ridículo papel de vítima que Pacheco Pereira assume, para não dar o braço a torcer, são simplesmente lamentáveis e chegam a ser patéticos. Convém que se diga que ele não é uma vaca sagrada, nem paira acima das ideologias, como quer fazer crer. Também ele tem uma tese. Essa tese é uma visão do mundo assente numa única obsessão: um antiesquerdismo militante por razões ideológicas, agravadas por um rancor pessoal. Formalmente, a tese de José Pacheco Pereira continua a ser omnisciente, intolerante e dogmática. Só o conteúdo é que mudou: dantes era de esquerda, agora é de direita.