Os estilosos
O meu fascínio pelo vestuário está, porventura, ligado a uma ideia romântica do passado: o tempo dos senhores de gestos nobres, das paixões avassaladoras e dos ideais pelos quais valia a pena dar a vida. O chapéu de coco que trago na foto no topo desta página carrega de certa forma esse simbolismo. A dedicação empregue no fabrico de determinadas peças do vestuário masculino, obedecendo a processos que remontam aos anos de mil, novecentos e antigamente, são certamente a razão do meu entusiasmo pela arte do bem vestir.
O africano é tido como vaidoso, mas a essa vaidade é dada uma explicação antropológica ligada à presença colonial em países como Congo e Congo Democrático (antigo Zaire). Os franceses levaram para África o mito da elegância parisiense. Esta elegância e sofisticação, bem como a sua tecnologia, ficaram associadas ao culto da superioridade do homem branco, levando mais tarde ao aparecimento de um movimento cultural africano denominado por La Sape, La Société des Ambianceurs et des Personnes Elégantes, o qual, ainda que assente em valores morais e religiosos, representa um paradoxo na África de hoje. Os sapeurs, como são conhecidos os seguidores deste movimento, são dandies que se preocupam em dar um toque de classe e glamour à realidade violenta e pobre que são os bairros de lata de Brazaville e Kinshasa. E isso dá-lhes um estatuto de celebridades locais; são muitas vezes remunerados para aparecerem em cerimónias festivas assim como em funerais, tudo pela sua postura social e valores exemplares.
O homem sapeur é um artista do bem vestir que sonha com o viajar para Paris, a Meca da elegância, o escape, o paraíso, a cidade de onde G. A. Matsoua - tido como o primeiro grand sapeur - regressou, vestindo e falando tal como um gentleman francês. "Vamos largar as armas, trabalhar e vestir com elegância" foi o slogansapeur durante a última guerra civil no Congo (1997-2002). Segundo eles, a cultura sape só pode existir num ambiente de paz e, embora não sejam levados em conta no meio político, essa atitude vai de encontro à própria vontade do Governo congolês, o que lhes dá o estatuto de símbolo de uma identidade nacional.
Reconheço que os congoleses são estilosos. Papa Wemba, músico do Congo Democrático, não escondeu o fascínio que sentia pelos sapeurs de Brazaville, numa altura em que, no Zaire de Mobutu, a ideologia imposta pelo general era a "authenticité", que fomentava um novo ideal africanista em detrimento da cultura colonial e tribal. Mas Papa Wemba converteu-se ao Le Sape e internacionalizou-o nos anos 60.
As pessoas em África carregam dentro de si um optimismo contagiante, que lhes devolve a leveza para encontrarem a felicidade, apesar das situações em que muitas vivem, isto é, tão dramáticas que, segundo os padrões ocidentais, nunca possibilitariam tal optimismo. E os sapeurs acabam por demonstrar essa forma de estar, ainda que sejam um reflexo directo da influência dos colonizadores franceses e belgas e do sonho romântico em relação à ideia de uma Europa elegante que há muito deixou de existir.
Músico