Onde conduz a falta de humildade
Pode o PSD hostilizar os seus quadros mais respeitados e ganhar as eleições? Pode Sócrates manter a calma quando a evolução da economia e o atraso nas reformas o comprometem? E como se explica que a ERC não queira conhecer as "indignidades" de
que se queixa um
ex-director da RTP?
1.Alguns dos apoiantes de Luís Filipe Menezes têm vindo a dizer que não necessitam para nada do que se tem comummente designado como sendo "as elites" do PSD. Santana Lopes interrogou-se sobre se teriam tempo para passar pelo congresso do próximo fim-de-semana entre um passeio de iate e um voo de jacto privado. Ângelo Correia e Nuno Delarue ameaçam com processos judiciais ou expulsões sumárias dois dos quadros do PSD com mais notoriedade pública. Na verdade, aquilo a que se tem chamado "elites" são alguns, porventura a larga maioria dos quadros do partido, que têm mais notoriedade e credibilidade junto da opinião. Ora pela suas ideias, ora pelas suas carreiras profissionais, ora por terem tido uma vida política de que nunca procuraram tirar partido. Gostem ou não deles, e da sua acutilância, os que têm acompanhado Menezes mais de perto nos últimos anos, a verdade é que não se imagina o PSD como alternativa de Governo sem que este consiga atrair não só as suas elites mas também independentes respeitados e respeitáveis. Até Guterres teve de fazer essa via-sacra não só para mostrar que sabia o que queria para o país como para provar que se podia confiar nele.
Pelo que um dos dilemas de Menezes é o de saber se prefere ou não continuar na companhia dos seus actuais apoiantes, que afastam mais eleitores do que atraem - pela razão simples de que os eleitores, ao contrário dos militantes, não são "clientes" do que lhes pode oferecer uma direcção partidária.
O primeiro teste está marcado para este fim-de-semana. Ou Menezes consegue formar uma equipa forte e respeitada, ou só lhe restará esperar que este Governo caia de podre. Quanto mais não fosse por isso, recomendava-se alguma humildade aos seus apoiantes.
2.Os sinais que o Governo tem dado nos últimos dias, em que por mais de uma vez perdeu o controlo da agenda e mostrou evidente nervosismo, compreendem-se: as coisas não estão a correr tão bem como esperavam. Se estivessem, o desemprego não teria evoluído como evoluiu, o consumo privado daria sinais de nova vitalidade, o défice estaria bem controlado sem necessidade de realizar mais um dramático corte no investimento público.Para Sócrates tudo isto são más notícias: o plano, como vem nos livros, era o de ter tomado as medidas mais duras nos dois primeiros anos do mandato para ganhar folga para distribuir benesses próximo das eleições. Acontece que a margem é hoje mais estreita, como se percebe lendo duas notícias da edição de hoje do PÚBLICO: com o FMI a rever em baixa o crescimento para os Estados Unidos, toda a Europa sofrerá, mais os países onde recuperar quotas de exportação é crucial, como é o nosso caso; e com o fisco a rapar o taxo das receitas para este ano, percebe-se que a margem de manobra se estreita.
Isso não devia surpreender ninguém. A reforma da administração pública está atrasadíssima, logo as despesas correntes continuam mais elevados do que deviam; e está-se a chegar ao limite da recuperação de dívidas fiscais e de combate na fuga ao fisco, pelo que as receitas não continuarão a crescer mais do que o produto interno, como sucedeu nos últimos anos.
Sem bodo para distribuir, José Sócrates dá sinais de inquietação muito pouco reformistas. E de um autoritarismo para que, finalmente, se começa a despertar. Se tivesse sido mais humilde e menos "animal feroz", teria mais chances de ser perdoado pelo eleitorado.
3.O comunicado da administração da RTP é inquietante pelo tom (curiosamente modelado, em baixa, pelo administrador Luís Marques nas suas declarações ao PÚBLICO). Mas mais inquietante é a persistência da ERC e do seu presidente de que nada aconteceu que motive a abertura de um inquérito por uma entidade tão interventiva noutras ocasiões. Será que um ex-director de informação da RTP manifestar-se incomodado pelas "indignidades" que tem de suportar não a inquieta? Não estranha que este já não discuta o alinhamento dos telejornais que apresenta? Acha normal que a administração se tenha sentido ofendida enquanto o presidente da ERC afirma que tudo são temas do passado? E por que não revisita esse passado, ainda escrutinado pela Alta-Autoridade para a Comunicação Social, quando alguns dos seus membros, assim como os que integravam a comissão parlamentar de inquérito então formada, chegaram à conclusão de que administração da RTP faltara à verdade durante o processo de inquérito?Isto não é problema disciplinar interno da estação, goste-se ou não de José Rodrigues dos Santos. Isto antes indicia que, ao escolher com estrondo a via da confrontação, a actual administração correu o risco de abrir uma caixa de Pandora. Da ERC não se esperava que tentasse fechá-la, não fosse dela saltarem mais "indignidades", só que agora formalizadas e concretizadas.