No Porto, a tradição e a perdição encontram-se quando se come na Casa Nanda

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Não vou dizer o nome dum restaurante do Porto que está na moda e onde a Maria João e eu fomos com intenção de almoçar e saímos com intenção de almoçar. Entrámos com fome e fugimos com a mesma fome. A comida era incomestível. Não é apenas um mau restaurante. Não é sequer um restaurante: é um demolidor. Se o restaurante serve para restaurar, esta casa de pasto, onde só não só não se pasta como nem sequer se rumina, só serve para demolir. Deita abaixo quem lá se sente à espera de ser refeito gastronomicamente.

Pagámos as entradas e escapámos. Para onde fomos almoçar a sério? Para o restaurante do Porto onde se tem a certeza de comer muito bem, pagar muito pouco e ser-se muito bem recebido: a Casa Nanda, no n.º 394 da Rua da Alegria.

A última vez que lá tínhamos ido foi há mais de dez anos. Pois não só estava igual como estava, a partir da primeira colherada estava melhor ainda. Os grandes restaurantes (que são sempre poucos) têm esse condão: por repetirem as mesmas obras-primas, melhoram de semana para semana. De ano para ano, então, a diferença ladra aos céus.

No dia 20 de Maio de 2001, comprámos em Nova Iorque o New York Times e lemos o que Marvine Howe escreveu sobre a Casa Nanda, "an old-time family restaurant [where] the cuisine is hearty". Onze anos depois a descrição mantém-se exacta.

Comemos uma sopa de grelos como não há outra no universo galaico-lusitano, com um sabor melhor do que os grelos de Inverno. Era uma espécie de caldo verde melhorado e mágico, por ser Verão. Eu fui para a canja de galinha, que era uma daquelas canjas Santo Deus, que existiam antes de haver aviários. Não tinha gordura, massa, arroz ou disfarce de hortelã: só uns miúdos e a essência da galinha cozida, no sentido mais puro e judaico do "chicken soup is good for the soul".

A Casa Nanda é uma perfeição de casa. As pessoas que têm a sorte (ou a sabedoria) de morar no Porto sabem que é boa mas confessam que, por preguiça ou falta de estacionamento, não têm lá ido. Fazem mal.

Apanhem um táxi e maravilhem-se, por amor de Deus.

A Maria João pediu depois uns bolinhos de bacalhau, excepcionalmente secos e apetitosos, acompanhados por um arroz de feijão tão molhado e saboroso que tornaria qualquer ateu em crente.

Eu fui para os rojões e espantei-me com a macieza deles, ficando envergonhado pelos bloquinhos rijos armados em rojões que tenho deglutido de sorriso aberto ao longo de um século. Era um daqueles momentos abracadabra: "Ah! Com que então assim é que são os rojões, sim senhor!"

A salada mista brilhava-nos nos olhos e nas bocas. Pela salada se conhece a boa cozinha: é raríssimo ser irrepreensível. Esta, com aquela alface lisa e verde escura que é um dos atractivos do Porto, estava perfeitamente temperada, de sal, azeite e vinagre. Alegremente comeríamos apenas salada daquelas, se não houvesse mais nada para comer.

As sobremesas levaram-nos às alturas. A Dona Fernanda lembrou-se de fazer uma salada de pêssegos, só com pêssegos e sem mais nada, que era um luxo de simplicidade. Os pêssegos eram bons, tinham sido bem escolhidos e combinavam bem. Já tentámos fazer cá em casa mas o segredo deve estar na combinação.

A Maria João pediu o leite-creme - que é quase sempre de alta qualidade no Porto - e ficou estarrecida com a profundidade sápida da confecção. Alternando entre colheradas de salada de pêssegos e de doce creme, timbaleámos infantilmente.

Em 2006, na revista Sábado, Francisco José Viegas escreveu sobre a Casa Nanda e acabava em beleza, falando do leite-creme e da sopa: "e com verdade: "Quem cozinha sabe que uma sopa é um cartão de identidade do cozinheiro - se tem aroma de sopa, é meio caminho andado. E é."

Por este banquete pagámos €29.50. Por um preço destes - ou qualquer outro - não conheço melhor restaurante da cozinha do Porto em toda a cidade do Porto.

Se lá for, como fará o favor de fazer, será bem-vindo ao paraíso que julgara perdido.

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