O desprezo pelo teatro
O programa do provedor do telespectador da RTP dedicou uma emissão à ausência de teatro na RTP2 (A Voz do Cidadão, do passado dia 19). Diversos actores e directores de teatro falaram com bom senso e razão sobre o lugar do teatro televisivo na história da RTP, a sua importância para a formação de públicos e o seu apagamento na TV pública por vontade expressa de sucessivas direcções. O actual director da RTP2, Jorge Wemans, teve o desplante de afirmar ao provedor que o teatro está "muito presente" na RTP2 porque há "notícias" no programa Câmara Clara e uma ou outra entrevista no programa Bairro Alto. Confundir notícias e entrevistas com uma das artes mais antigas e também um dos mais antigos géneros televisivos, o teleteatro, é ignorância ou demagogia. Ou ambas.
Wemans defendeu a sua censura ao teatro com a efectiva diferença entre peças concebidas para usufruto em sala e a sua reprodução televisiva, mas não só ignorou o caminho que o teatro televisivo percorreu durante décadas, autonomizando-se do teatro em sala, como desprezou o capital acumulado pela RTP e por outros canais estrangeiros.
A RTP apresentou 600 peças ou espectáculos de teatro entre 1957 e 2002, de acordo com um levantamento realizado pelo arquivo da empresa. Ao contrário da sugestão de Wemans, muito do teleteatro na RTP não reproduzia peças em salas, tratou-se antes de criar espectáculos televisivos, pensados para televisão, apresentando peças de teatro do cânone, populares e eruditas, ou originais escritos para a TV. Mas mesmo a reprodução de peças em salas, argumento que serviu a Wemans por não ser de facto a melhor maneira de pensar teatro em televisão, constitui-se como registo histórico que cabe a um serviço público ter em conta. As imagens do costume de Palmira Bastos declamando "de pé, como as árvores", reproduzidas na Voz do Cidadão, fazem parte do património audiovisual português, sendo o momento final de uma peça gravada pela RTP em 1966 no Teatro Avenida, com público, um ano antes da morte da actriz, aos 92 anos.
A RTP não faz teleteatro nem grava teatro porque não quer, porque não sabe o que o serviço público é hoje, porque prefere queimar dinheiro numa programação supostamente boa para grandes audiências, irrelevante, de fluxo e sem qualquer futuro.