Não é só futebol

O que fez a Joana aos naperons da avó? Tirou-os de cima da televisão e dos braços dos sofás e soprou lá para dentro. Distorceu-os e esticou-os até ocuparem muito espaço. Gosto especialmente da alegria com que tapam sem cerimónia os pesados leões de Versailles. Joana, a domadora de leões. O descaramento daquele crochet!

Para desarrumar tão bem a casa é preciso não ter medo de lá entrar. Com que prazer esta rapariga pegou nas agulhas! A avó teria orgulho nela. A mim, que só tenho mais quatro anos e que não aprendi com a minha mãe, esta arte faz-me feliz.

Com o marido ao fundo e a filha que teve quando quis nos braços, a Joana só lamenta a censura dos tampões. Depois de vinte anos de imagens de mulheres anoréticas, sem curvas, sem menstruação e à beira da morte, o lustre da Joana chocou as pessoas sensíveis.

A Joana é generosa e dá a todos licença de entrar na cozinha. Inspira-se na personagem da fada do lar para criar uma personagem nova e híbrida: uma espécie de génio que anda pela casa a pregar partidas. Agora um monte de tachos pode ser leve e cómico. Desde que se aprenda karaté, nenhum trabalho oprime. O que é preciso é não morrer de tédio, mantendo as mãos e a mente ocupadas. A Joana lembrou-se da Arte da Vida portuguesa. Da arte no artesanato. Ela sabe que há cabeça nas mãos e perfeccionismo no amor e vice-versa. Que é possível confundir lazer e trabalho.

O feminismo da Joana é uma festa. A celebração da liberdade sabe melhor sem quotas. O sentido de humor dela por qualquer razão faz-me lembrar uma peixeira do Porto que vi na televisão: virada para outra ria e berrava que já não era peixeira. "Sou técnica de peixe!" - gozava ela com a rapaziada da política.

Li que para o S. João a Joana viria de Versailles para construir um andor. A tradição já não é o que era.

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