O orgasmo saiu à rua
Sexappeal passa na SIC às sextas-feiras à noite. Para falar sobre sexo sem tabus e de forma divertida. Não pretende ser um veículo de difusão sexual mas um indicador de consumo. Uma espécie de telejornal sobre o sexo. A apresentadora Elsa Raposo é a mulher fatal, Felícia Cabrita e Júlia Pinheiro são as autoras.
Este ano, Lili Caneças teve relações sexuais na praia do Algarve e "não foi nada mau. Foi estupendo". Ela, que com os homens "teve sempre tudo aquilo que quis", sempre "romances muito sérios" e assume que o seu problema é "todos eles quererem casar". "Nunca nenhum homem chegou ao pé de mim e disse: 'Lili, vamos dar uma queca?'".A filha de Lili Caneças "aconselha mesmo o mais possível" sexo na praia. É que "o Verão atrai muito mais a parte sexual da pessoa." São declarações desinibidas do segundo programa de "Sexappeal", na SIC, em que se abordava a relação da sexualidade com a estação do calor. Numa concentração de motards, um jovem diz que "a adrelina da velocidade em cima de uma mota é superior a um orgasmo", outro sugere posições para relações sexuais no veículo. Há quem diga que em matéria de sexo "faz-se tudo em cima de uma mota" e no final um casal simula-o. Generalizações também não faltam: "Qualquer mulher gosta de um motard", afirma com convicção uma rapariga.Elsa Raposo (na foto) é a apresentadora que olha para as câmaras como quem provoca um homem, inclinando-se para a frente ou deitando-se no sofá. Fala devagar, coloca um tom sensual à imagem de um modelo estereotipado de "mulher fatal". E sem preconceitos. Termina os programas com uma piscadela de olho ao espectador: "Para a semana cá estarei de novo para me entregar nas suas mãos". Elsa Raposo era uma desconhecida: "Queríamos uma mulher que fosse muito bonita, desconhecida em televisão por causa do efeito surpresa. A forma como se expressa e relaciona com a câmara não é construção nossa. Ela é naturalmente sedutora, carinhosa, afectuosa", explica Júlia Pinheiro, co-autora da ideia com Felícia Cabrita e Joaquim Vieira. E acrescenta: "Não é fácil alguém assumir aquele papel, pode ser pesado."Quase nunca se vê a cara de Felícia Cabrita, a jornalista que sai de microfone em punho para fazer os inquéritos de rua, uma das secções do programa. O que é um orgasmo?, o clitóris?, um beijo hélice?, para que lado costuma "arrumar" o orgão sexual? já teve uma erecção na praia ou em público?, são algumas das perguntas às quais os entrevistados dão as respostas mais surpreendentes - desde a afirmação errada proferida da forma mais convicta, a desvios de assunto como "ai isso não sei, não sou de cá", há de tudo um pouco.Quando há 10 anos a então jornalista do "Expresso" começou a escrever sobre sexo nesse semanário houve leitores que reclamaram. "Reagiram mal. É difícil falar-se de sexo. Por isso queremos pôr as pessoas a falar naturalmente." Como se estivessem entre amigos. "É impossível em Portugal encontrarem-se mais de três pessoas e não falarem sobre sexo. Deve ter sido por isso que Salazar proibiu as reuniões com mais de uma pessoa", ironiza.A ideia do programa surgiu porque era um produto inexistente em Portugal. "Aqueles que existiam tinham uma função didáctica, um carácter sisudo. Achámos que deveria ser uma coisa divertida ouvir os portugueses falarem", defende Júlia Pinheiro. "Não é um discurso pedagógico, não é a nossa vocação", acrescenta.O tom humorístico surgiu por arrasto. "Ou se fala de forma ligeira, positiva, com um sorriso, ou de uma maneira didáctica ou então pornográfica. Há uma linha de fronteira que não queremos passar - a de ferir as susceptibilidades". Como a de atribuir um cariz pornográfico a Sexappeal. Mas se defendem que Sexappeal não é pornográfico porque é que se mostrou, por exemplo, um show com mulheres nuas a dançarem e a "sexarem" - como dizia uma rapariga num dos programas - numa quase orgia lésbica? "Quisémos mostrar que há uma multidão que viu. Tratamos de demonstrações de consumo ou de não consumo, de coisas escondidas que têm uma expressão significativa ou não", responde Júlia Pinheiro. E acrescenta: "A pornografia explícita não nos interessa. Interessa-nos mostrar o que existe neste mercado em Portugal. Somos uma espécie de noticiário do sexo - não os veículos de difusão mas os indicadores de consumo". "O sexo já não é tabu", afirma a jornalista. A convicção vem da experiência na realização do programa que vai agora adoptar uma secção nova - uma pessoa, em estúdio, a contar as suas experiências: "Criámos um espaço temático em que a pessoa aparece em estúdio a falar tranquilamente porque achámos que nos inquéritos de rua não havia intimidade suficiente. Nem imagina a facilidade com que as pessoas falam das situações, contam as suas vivências..." A experiência de Felícia Cabrita é idêntica. Antes da sair à rua para entrevistar os transeuntes - selecionados segundo o critério de diversidade (de gerações, estratos sociais, profissões, etc) - julgava que seria uma tarefa mais complicada: "Pensámos que o povo português não iria aceitar. Inicialmente as pessoas reagem com espanto, depois falam com prazer. Na verdade, o sexo não só dá prazer como provoca o riso." E acrescenta, a propósito de uma saída para o Algarve interior que tinha como objectivo confrontar, num meio isolado, as experiências de pessoas mais velhas com jovens: "No meio disto há um estudo sociológico de costumes sobre os portugueses." Foi durante esta viagem que alguns entrevistados revelaram ter tido experiências sexuais com animais, uma antiga prática usual nas iniciações sexuais masculinas."Quando encontrar uma galinha morta no meio de um monte, já sabe o que aconteceu", ri. Para esta jornalista, "o próprio formato, com a grande diversidade de temas, tem a ver com a expectativa não didáctica mas com aquilo que se esconde num país que aparentemente é acanhado nos costumes, onde parece que é mais fácil fazer do que dizer."Além dos inquéritos de rua e das reportagens, há uma secção com um pequeno scketch de moda (roupas sensuais, claro) e outra intitulada "Clip Erótico", filmada por Diamantino Ferreira, o realizador do telefilme SIC "Lampião da Estrela". A proposta deste último veio da estação de Carnaxide e, na definição de Júlia Pinheiro, retrata "histórias pequenas de sugestão erótica que têm sempre algo de surpreendente", feita por uma equipa de portugueses, incluindo os actores/ modelos. Há ainda dois convidados - figuras mediáticas - que viajam de carro, "um local de confissões", com o objectivo de juntar duas pessoas que à partida nunca se encontrariam, "o par improvável". Helena Sacadura Cabral e Vergílio Castelo, Paulo Gonzo e Rui Reininho, por exemplo. E o par Fátima Lopes/ Olavo Bilac, um dos mais ousados: ficámos a saber que a estilista não é púdica e que não concorda com Olavo, que diz que na cama o homem "trabalha mais do que a mulher." Ah! E que já teve três orgasmos numa relação sexual que é normalmente pontuada por ruídos emitidos a partir dos seus pulmões.