Transferir água do Norte para o Sul gera dúvidas sobre custo e reacção das populações

As consequências resultantes da instalação das chamadas auto-estradas da água podem vir a ter graves conflitos sociais nas populações residentes nos locais onde o recurso será captado.

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De Alqueva serão canalizados caudais para o Algarve e Sudoeste alentejano Miguel Madeira
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Apesar de Alqueva apresentar neste momento um volume de água que já ultrapassa os 70% da sua capacidade máxima de armazenamento, em condições de garantir as necessidades actuais da agricultura, consumo humano e do sector mineiro, a iniciativa Água que Une, anunciada pelo Governo, galvanizou, de novo, o sonho das auto-estradas da água.

Da enorme mãe-d'água personificada por Alqueva, serão ainda canalizados caudais para o Algarve e Sudoeste alentejano, projectos que já se encontram em curso. Mesmo assim, no projecto Água que Une emerge a premente necessidade de instalar uma rede interligada para o armazenamento e a distribuição de água destinada à agricultura, que será denominada REGA. Este projecto a pôr em prática entre 2025 e 2035, recupera, no essencial, o modelo Água e o Desenvolvimento do Mundo Rural, proposto por Jorge Avelar Froes, Manuel Holstein Campilho e Miguel Holstein Campilho, apresentado em Fevereiro.

Na esquematização da sua proposta alega-se que a “chuva está mal distribuída, com demasia no Norte e escassez no Sul no Inverno, quando é crucial no Verão”. Alqueva sempre supriu as necessidades do sector económico e, sobretudo, o abastecimento público, mantendo intacta a sua condição de reserva estratégica de água. Assim, reivindicar uma “auto-estrada da água”, baseada num sistema de transferência de caudais [Douro-Tejo-Guadiana] constituído por estações de bombeamento e canais ao longo do interior do país, revela-se, para os críticos do modelo, uma solução que teria um custo proibitivo de muitos milhões de euros.

Rui Cortes, investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e membro do Conselho Nacional da Água, assume a sua contestação às transferências de água entre bacias hidrográficas, sublinhando que uma tal solução “irá criar grandes conflitos sociais e problemas de défice nos locais de onde é retirado o recurso”. O especialista, à Lusa, defendeu que se está-se "a caminhar para uma situação que é muito perigosa, ao proporem-se os transvases que irão quebrar completamente o que está preconizado na Directiva-Quadro da Água".

Também Joaquim Poças Martins, professor universitário e secretário-geral do Conselho Nacional da Água, realça, em declarações prestadas ao PÚBLICO, os “inconvenientes ambientais, custos e implicações sociais muito grandes” resultantes da eventual instalação de um sistema de transvases. “A primeira questão a colocar, salientou o docente, passará por saber interpretar a reacção das populações no ponto de captação". E pergunta: “As pessoas aceitam este tipo de intervenção? Vão perguntar aos que vivem no Minho e em Trás-os-Montes como é que encaram os transvases”, sugere Poças Martins.

Com outro registo, o ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, tem feito eco das virtudes do plano Água que Une: “É urgente avançar para investimentos que possibilitem o armazenamento e a distribuição eficiente da água. A agricultura nacional precisa de investimentos para armazenar e distribuir água de forma eficiente”, através da criação de uma rede nacional interligada, que o Governo define como uma “prioridade para Portugal”, sintetiza o governante.

Em sintonia com o ministro, Álvaro Mendonça e Moura, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, assumiu recentemente em Odemira, durante um debate que envolveu autarcas e empresários do sector agrícola e mineiro, que se continuará a bater "até ver realizada uma rede nacional da água [para assim] conseguirmos aumentar a produção agrícola e florestal no país”.

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