“A habitação está a ser um problema cada vez maior para o sistema de protecção de crianças”

CPCJ do Barreiro relata caso de crianças acolhidas que poderiam voltar para a mãe se esta tivesse casa. Há mais sinais de violência em casais com filhos que vivem em quartos de casas sobrelotadas.

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A falta de casas tem impacto nas crianças e as condições precárias podem colocá-las em situações de perigo Daniel Rocha
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O presidente da Comissão de Protecção de Crianças (CPCJ) do Barreiro, Carlos Duarte, não exclui que uma criança venha a ser acolhida numa instituição no caso extremo de a família ser despejada da casa onde vive e ficar a viver na rua. "A pobreza, por si só, não é uma situação de perigo. Mas, se alguma vez isso acontecesse na nossa CPCJ, teríamos de proceder desse modo", diz.

"Temos é de ter sempre presente o bem-estar da criança. Uma situação em que a mãe está na rua com o bebé, o bebé não pode ficar na rua. Se isso alguma vez acontecer, somos obrigados a proteger a criança. Não é retirá-la à mãe, é protegê-la com todos os meios ao nosso alcance", afirma sobre uma medida que, a ser decretada pela comissão e não pelo Ministério Público (MP), carece do consentimento dos pais da criança.

"A habitação está a ser um problema cada vez maior para o sistema de protecção”, enfatiza. O responsável exemplifica com um caso real que representa o reverso: o de três crianças até agora à guarda do Estado, acolhidas numa instituição, e que, por decisão do MP, viram essa medida ser alterada. Já poderiam voltar para casa. Mas se tivessem uma casa.

Assim, a chamada medida de apoio junto da mãe (os filhos regressam e a família tem apoio) fica dependente da atribuição de casa, e isso levou, na semana passada, o tribunal a enviar um ofício a notificar câmara e juntas de freguesia para assegurarem àquele agregado uma habitação social para a família, de modo que as crianças não permaneçam mais tempo numa instituição, relata Carlos Duarte. "É a primeira vez que vejo um tribunal a enviar um ofício com uma notificação deste tipo."

"A mãe tem condições, mas são precárias", continua, e isso não se enquadra em tipologias de perigo que justifiquem a continuação das crianças em acolhimento. "A mãe e os filhos podem ir viver para um quarto, mas até isso está a preços exorbitantes, em toda a periferia de Lisboa, para onde as pessoas começaram a deslocar-se. Estas crianças vão continuar na instituição, porque a mãe vive em condições precárias? Não é solução", declara.

Violência em casas sobrelotadas

Outro sinal de que o problema cresce é a frequência das sinalizações por violência doméstica específicas de casais com filhos a viver em casas sobrelotadas, diz Carlos Duarte. "Chegam-nos muitos casos destes." Existe uma prevalência de casais do Brasil, mas também existem portugueses, diz.

Devido às carências financeiras, as pessoas passam a viver em quartos. "O espaço é diminuto para tanta gente, a casa de banho e a cozinha são partilhadas. E em casais com filhos, começa a haver dificuldades de as pessoas manterem atitudes normais. Começa a haver violência, agressões, são chamadas as autoridades. Aí, sim, abrimos processos de promoção e protecção. Não é por a família não ter casa, mas pelo conflito gerado pelas condições habitacionais, e a exposição das crianças a essa violência. Nestes casos, chamamos o casal para o ouvirmos e vemos se é preciso aplicar uma medida de apoio junto dos pais", relata o responsável que não tem dúvidas: "A questão habitacional é o factor fundamental para a protecção das crianças e jovens porque, havendo condições habitacionais, as famílias têm condições para procurar soluções, que neste momento não existem."

E deixa uma mensagem aos decisores: "Quando assumem a responsabilidade de gerir um município, os responsáveis autárquicos devem delinear acções prioritárias a favor da [construção de] habitação social, e não das mais-valias que um prédio com apartamentos de luxo pode vir a proporcionar. O problema é a construção de habitação não ser dirigida aos mais vulneráveis."

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