Reparações às ex-colónias: um brinde para a extrema-direita

Seria algo de inapropriado e ridículo que fôssemos pedir ou exigir compensações a França pelas invasões do início do século XIX.

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Portugal, como outros países da Europa, tem um passado multissecular. A caminho dos 900 anos de existência, tem na sua origem, e ao longo da sua construção, povos heterogéneos. Um país que teve ciclos de afirmação e desenvolvimento quase sempre coincidentes com valores dominantes de abertura e liberdade e ciclos de retrocesso e atraso, quase sempre coincidentes com valores de ditadura e opressão.

Em cada um dos tempos houve sempre a prevalência de um certo humanismo com base nos valores judaico-cristãos. Em cada um dos tempos, o país atuou e relacionou-se com outros povos de acordo com os valores à época dominantes. Ao longo da história, ora fomos oprimidos, invadidos e saqueados, ora invadimos, oprimimos e escravizámos.

Em tudo isto, há três realidades a ter em conta. A primeira é que, quando invadidos e maltratados, também recebemos novas ideias, valores e avanços. A segunda é que, quando invadimos ou descobrimos outros povos, também levámos conhecimentos práticos e valores civilizacionais, contribuindo para o desenvolvimento e avanço desses povos. A terceira é que a atuação foi conforme as leis e os valores dominantes em cada tempo. Esta atuação quando ocorreu não era crime, nem sequer condenável em absoluto. Era aceite e praticada pelos povos e países congéneres.

A gesta dos descobrimentos não foi só o feito histórico e genial que o ciclo de ditadura de Salazar tentou impor. Mas também não foi só colonialismo escravizante que alguns quiseram tentar impor após o 25 de Abril de 1974. E por isso não temos de ter vergonha ou sentimento de culpa do nosso passado histórico, embora reconhecendo sempre as imperfeições e os atos que hoje nem sequer imaginamos poder repetir-se.

Seria algo de inapropriado e ridículo que fôssemos pedir ou exigir compensações a França pelas invasões do início do século XIX. Como é inapropriado e ridículo falar de reparações em relação aos territórios das ex-colónias. Quais as razões, então, que levaram o Presidente da República a colocar na agenda política e mediática o tema das reparações às ex-colónias?

Haverá razões intrínsecas à pessoa concreta que é o Presidente da República, nomeadamente do seu passado pessoal e familiar. Haverá razões do constante e instável jogo político que o Presidente da República praticou antes de Belém e que continua a praticar. Haverá razões de conjuntura política e agendamento mediático.

Não. Não existem razões com fundamento histórico. Não existem razões com fundamento nos princípios humanistas e nos valores do país que fomos e somos. Nem existem razões fundadas nas normas de bom relacionamento entre os povos. Objetivamente, o agendamento deste tema favorece o avanço do populismo extremista do Chega. Verifique-se como está a ser cavalgado por este partido. Vai provocar sérios obstáculos às relações normais e frutuosas de Portugal com os países da CPLP. É uma ideia tão descabida quanto extemporânea, que agita e divide num tempo que requer convergência e estabilidade.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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