Derrota nas urnas em Hong Kong não assusta Pequim

O campo pró-democracia conseguiu um novo palco para fazer oposição ao regime chinês com a vitória esmagadora nas eleições de domingo, mas não desiste dos protestos nas ruas. O risco é que a China ignore a opinião pública e mantenha a linha dura.

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Os activistas pró-democracia celebraram a vitória eleitoral nas ruas de Hong Kong LUSA/CHAN CHEUNK FAI

O campo pró-democracia conquistou uma vitória esmagadora nas eleições deste domingo para os conselhos distritais de Hong Kong. Passaram a dominar 17 dos 18 órgãos locais e Pequim deixou um aviso contra quaisquer tentativas para “perturbar” a antiga colónia britânica. Com esta vitória, os activistas pró-democracia terão novas plataformas para enfrentar o regime chinês, prevendo-se o subir da tensão. E já há uma manifestação marcada para domingo. 

Estes resultados são uma bofetada na face do Governo de Carrie Lam”, declarou Joseph Cheng, professor de Ciência Política da Universidade de Hong Kong, ao Guardian. “A bola está agora no campo do governo, mas a sua atitude é a de não poder satisfazer as exigências [dos manifestantes] ou aceitar que o pressionem.”

A chefe do Governo está entre a espada e a parede e Pequim mantém a linha dura desde que os protestos começaram em Junho, contra uma lei de extradição para o continente. “Acho que Pequim vai continuar a adoptar uma linha dura e não vai fazer concessões – sabe que o povo de Hong Kong quer democracia, em última instância, e não lha vão dar”, continuou Cheng.

Com os resultados totais ainda por confirmar, o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, avisou que quaisquer tentativas para “perturbar Hong Kong não terão sucesso”. “É claro que Hong Kong é parte da China”, disse Wang à margem de uma visita a Tóquio, no Japão. E, em comunicado, Lam admitiu que os resultados eleitorais reflectem “o descontentamento [dos cidadãos] com a situação actual” e os “problemas sociais profundos” de Hong Kong, prometendo ouvir “humildemente” o povo da região. 

As suas palavras não foram suficientes e a inquietação mantém-se. “A minha preocupação é que [Lam e Pequim] ignorem a opinião pública e que isso desencadeie raiva e sentimentos de confronto”, afirmou ao Guardian Ivan Choy, especialista em política eleitoral da Universidade Chinesa de Hong Kong. Um sinal do embaraço de Pequim é o facto de os resultados eleitorais terem sido ignorados na China continental: nem a agência estatal Xinhua, nem a televisão estatal CCTV os noticiaram. 

O executivo de Lam e Pequim têm apresentado os manifestantes, cujos protestos têm sido cada vez mais violentos, como aconteceu no cerco à Universidade Politécnica, como vândalos e uma ameaça para Hong Kong. E, pelo meio, alegaram que existia uma “maioria silenciosa” que queria o regresso da paz social e da ordem às ruas. 

Mas essa “maioria silenciosa” não se expressou este domingo nas urnas. O campo pró-democracia conquistou 87% dos votos – 389 eleitos em 452 – e a participação eleitoral, principalmente entre os jovens, nunca foi tão alta: 71%. Nem mesmo nas eleições para os conselhos distritais de 2015, um ano depois do Movimento dos Guarda-Chuvas, foi tão alta – ficou-se nos 47,%. 

“O campo pró-democracia disse que estas eleições seriam um referendo às exigências dos manifestantes e funcionou, enquanto o campo pró-Pequim não as classificou como referendo”, explicou Samson Yuen Wai-hei, da Universidade de Lingnan, ao South China Morning Post.

Oposição institucional

Os conselhos distritais são os órgãos com menor importância no sistema político da região e focam-se sobretudo em aconselhar o governo nos assuntos do poder local, como luzes de trânsito e paragens de autocarro, diz o New York Times. São, no entanto, os órgãos mais democráticos de Hong Kong e nomeiam um décimo dos 1200 eleitos que escolhem a líder do executivo, com a próxima escolha a estar agendada para 2022. Se tiverem um bom resultado nas legislativas do próximo ano, os partidos pró-democracia terão uma forte palavra a dizer sobre o próximo líder, normalmente escolhido por indicação de Pequim. 

No trabalho comunitário, os manifestantes poderão ainda delimitar uma linha entre si e os eleitos pró-Pequim, enraizando-se nas comunidades. “As forças da oposição terão agora uma nova plataforma para atacar Pequim e o governo de Hong Kong”, disse Lau Siu-kai, vice-presidente da Associação Chinesa de Estudos de Hong Kong e Macau, ao New York Times. “Ao mesmo tempo, terão menos necessidade de ir para as ruas”, disse o dirigente da associação que aconselha Pequim sobre Hong Kong. 

O movimento pró-democracia debateu-se sobre como equilibrar a luta pacífica com os protestos violentos para enfrentar Pequim e esta vitória pode ter-lhe dado a resposta. Agora, far-se-á em dois níveis: no institucional e nas ruas.

E os activistas já estão a marcar nas redes sociais, avança o jornal de Hong Kong, uma manifestação para este domingo. Lam e Pequim têm até sábado para aceitarem as suas exigências. Caso contrário, a pressão vai aumentar, e muito, ameaçam. 

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