Atmosfera do exoplaneta mais quente que conhecemos tem ferro e titânio
Já sabíamos que o KELT-9b era um planeta extra-solar escaldante, agora descobrimos que tem na sua atmosfera ferro e titânio e que pode ser um bom laboratório para se estudar a química das atmosferas.
Há pouco mais de um ano ficámos a conhecer o KELT-9b, o exoplaneta mais quente até ao momento. A 650 anos-luz de distância do nosso sistema solar, tem cerca de 4000 graus Celsius – aproximadamente 2000 graus mais frio do que o Sol e mais quente do que muitas estrelas. Esta semana voltámos a ter notícias dele. Um artigo científico na última edição da revista Nature revela que a sua atmosfera tem ferro e titânio vaporizado.
Se detectámos o KELT-9b (também conhecido como HD 195689b) – além da equipa do norte-americano Scott Gaudi – devemo-lo a João Gregório, astrónomo amador português que também vende cozinhas. “Fui a primeira pessoa que analisou aquela suspeita de exoplaneta [em 2014]”, disse ao PÚBLICO no ano passado. O astrónomo amador tinha uma lista do programa de observação KELT (Kilodegree Extremely Little Telescope), que usava para analisar o brilho das estrelas e procurar uma diminuição nesse brilho causada pela passagem de um planeta. Nessas observações lá detectou o KELT-9b. “Temos de imaginar uma coisa gasosa. Só gostaria de dizer que não gostaria de morar lá”, descreveu.
Realmente, este exoplaneta não tem condições para lá morarmos. O KELT-9b orbita a estrela KELT-9, localizada na constelação do Cisne a mais de 650 anos-luz da Terra. Esta estrela tem uma temperatura de cerca de dez mil graus (quase o dobro do Sol que tem quase 6000 graus). E o exoplaneta está muito perto dela: cerca de 30 vezes mais próximo do que a distância da Terra ao Sol. Devido à sua proximidade, o seu ano dura um dia e meio e ele atinge os tais cerca de 4000 graus Celsius. “Não é tão quente quanto Sol, mas é mais quente do que muitas estrelas”, lê-se num comunicado da Universidade de Genebra, na Suíça, que teve cientistas envolvidos neste último trabalho.
O KELT-9b tem o dobro do tamanho de Júpiter e três vezes a sua massa. Por isso, este exoplaneta gigante gasoso é considerado um “Júpiter ultra-quente”.
A sua estrela também é 2,5 vezes mais maciça do que o Sol. E esse sistema solar é muito mais recente que o nosso: tem 300 milhões de anos, enquanto o nosso tem 5000 milhões. “A maior lição que os exoplanetas estão a ensinar-nos é que não podemos só olhar para o nosso sistema solar. Há coisas realmente peculiares lá fora”, salientou ao diário britânico The Guardian, Kevin Heng, da Universidade de Berna (Suíça) e um dos autores do estudo na Nature.
Uma caça ao tesouro
Até agora, não se sabia bem como seria a atmosfera deste exoplaneta. Para isso, os cientistas seguiram um “mapa do tesouro” – como descreve Jens Hoeijmakers, da Universidade de Genebra e também autor do trabalho. A caça começou com a observação deste planeta enquanto se movia em frente à sua estrela, ou seja, durante o seu trânsito.
Como lupa desse mapa, usou-se o espectrógrafo (instrumento que separa a luz branca no espectro), instalado no Telescópio Nacional Galileu, em La Palma (Espanha). O que viram? Através de uma pequena fracção de luz da estrela que filtrou a atmosfera do exoplaneta, detectaram-se os componentes da sua atmosfera. O tesouro era então ferro e titânio vaporizado na atmosfera.
O ferro e o titânio “têm sido ingredientes na teoria da formação dos exoplanetas, mas nunca tinham sido detectados directamente”, disse Kevin Heng à CNN. “Diferentes átomos ou moléculas têm uma impressão digital quando se divide a luz num espectro”, acrescentou o investigador ao site Space.com sobre a forma como se descobriram esses metais pesados.
Já em 2003, na reunião anual da Sociedade Americana de Astronomia (EUA), cientistas referiam que num planeta extra-solar com 1700 graus, a 5000 anos-luz de distância de nós, deveria chover ferro em pequenas gotas e que a atmosfera tinha a temperatura certa para formar nuvens compostas de ferro. Contudo, o ferro e o titânio encontrado no KELT-9b estão na atmosfera em átomos independentes – não ligados a outras moléculas. Como é tão quente, os átomos não se condensam em nuvens, mas flutuam livremente, explicou ainda Kevin Heng.
No comunicado, a equipa destaca ainda que muitos exoplanetas podem ter-se evaporado em condições semelhantes às do KELT-9b, o que demonstra que, provavelmente, este planeta é suficientemente maciço para suportar uma evaporação provocada pela radiação da sua estrela. Este planeta pode ser assim um laboratório único para analisar a forma como as atmosferas se desenvolvem sob uma intensa radiação estelar.
Por fim, a equipa anuncia que, no futuro, a técnica deste estudo poderá ser usada para detectar sinais de vida – biomarcadores – algures no Universo. “Não interessa se tentamos detectar titânio, oxigénio ou algumas moléculas desconhecidas que são indicadores de vida”, considera Kevin Heng. “Estes planetas quentes são um campo experimental para técnicas que usaremos quando planetas realmente interessantes começarem a aparecer nos próximos anos.”