"Os jornalistas não são o inimigo". Mais de 350 jornais respondem aos ataques de Trump
Os ataques do Presidente norte-americano contra a imprensa são frequentes e já lançaram o alerta internacional. Agora, a imprensa norte-americana uniu-se para responder a Donald Trump.
Mais de 350 jornais norte-americanos publicam nesta quinta-feira editoriais contra os ataques à imprensa do Presidente, Donald Trump. A ideia partiu do Boston Globe, que, numa carta enviada a centenas de publicações norte-americanas, sugeriu que fosse publicado um editorial “sobre os perigos do ataque do Governo à imprensa”. A resposta foi “avassaladora”, resumiu a subeditora de Opinião do Boston Globe, Marjorie Pritchard. Provocação ou não, mais do que um jornal recorreu a declarações de anteriores presidentes norte-americanos para defender a liberdade de imprensa atacada pelo actual líder dos EUA.
“O inimigo do povo”, “distorcem a democracia”, “escumalha”, “criadores de notícias falsas”, “as pessoas mais desonestas do mundo”. Os ataques verbais do Presidente norte-americano começaram ainda na campanha eleitoral para a Casa Branca e continuam a subir de tom. As acusações contra os principais jornais e grupos de media são frequentes e cada vez mais preocupantes.
Recentemente, as ofensivas de Trump preocuparam os especialistas e motivaram alertas sobre o perigo que representam para os jornalistas. David Kaye, relator especial da Organização das Nações Unidas para o direito à liberdade de opinião e de expressão, sublinha que as declarações de Donald Trump violam normas básicas da liberdade de imprensa e avisa que a linguagem inflamatória do Presidente norte-americano pode instigar a violência real contra jornalistas. Uma preocupação partilhada pelo Alto-Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad al-Hussein.
"Os [media] das notícias falsas detestam que eu diga que eles são o inimigo do povo, porque sabem que é verdade. Ao explicar isso, estou a prestar um grande serviço ao povo americano. Eles causam uma grande divisão e desconfiança. E também podem provocar uma guerra! São muito perigosos e doentes!", escrevia Trump a 5 de Agosto, no seu Twitter.
Esta quinta-feira, o editorial partilhado pelo jornal que liderou a iniciativa recupera as palavras de um outro Presidente, para lembrar que “Os jornalistas não são o inimigo”. “A nossa tradição de uma imprensa livre como uma parte vital da nossa democracia é tão importante quanto sempre.” O ano era 1985 e o Presidente era Ronald Reagan.
“Substituir a imprensa livre por uma imprensa estatal é desde sempre o primeiro passo para qualquer regime corrupto controlar um país”, lembra o Boston Globe.
“Hoje, nos EUA, temos um Presidente que criou um mantra onde acusa os membros da imprensa que não apoiam descaradamente as políticas da actual Administração de serem ‘os inimigos do povo’. Esta é uma das muitas mentiras ditas por este Presidente”, acusa o editorial.
“A imprensa livre é necessária para uma sociedade livre porque não significa confiar implicitamente nos líderes, do mais pequeno governo local à Casa Branca”, lembra o jornal.
“E não é uma coincidência que este Presidente — cujos assuntos financeiros são obscuros e alvo de suspeitas que accionaram o alerta do seu próprio Departamento de Justiça ao ponto de nomear um procurador especial para investigá-lo — esteja a tentar intimidar os jornalistas que o submetem a um escrutínio independente.”
Uns parágrafos abaixo, o jornal lembra o clássico distópico 1984 de George Orwell. “O partido ordenou-nos que rejeitássemos as evidências testemunhadas pelos nossos olhos e ouvidos. Foi a sua final e mais essencial ordem”, escrevia George Orwell em 1949.
No New York Times, que também aderiu ao movimento, o editorial lança um apelo: “Uma imprensa livre precisa de si”. A defesa dos valores democráticos da imprensa assumida pelo Times arranca com uma citação de um outro Presidente, Thomas Jefferson.
“Jornalistas a prestar serviço público não são o inimigo”, “Sou teu amigo, não teu inimigo”, “Imperfeitos mais indefensáveis”, “Não somos inimigos, somos teus pares, amigos e vizinhos”, “O jornalismo precisa de um campeão — tu”, “Ao atacar os jornalistas, Trump atinge todos os americanos”, “Trump ataca o mensageiro”, “Não se enganem: Este ataque na nossa liberdade de imprensa é deliberado e calculado”, são os mais frequentes títulos entre publicações como o Houston Chronicle, Minneapolis Star Tribune, Miami Herald e Denver Post que adeririam ao movimento. Todos os editoriais estão disponíveis para consulta, estado a estado.