O capital político de Passos

Para além de cumprir a agenda imposta pela intervenção externa, Passos revelou capacidade de liderança efectiva.

Pedro Passos Coelho despede-se este fim-de-semana da liderança do PSD no congresso em que será substituído pelo novo presidente do partido, Rui Rio. Ao fim de oito anos de liderança, a mais longa a seguir à década de Cavaco Silva, Passos sai com a imagem desgastada não só pela forma como conduziu o partido na oposição nos dois últimos anos, mas também fruto da erosão do mandato como primeiro-ministro entre 2011 e 2015.

Foi penoso assistir aos últimos dois anos de Passos. Terão sido também seguramente penosos para o próprio. Não porque Passos não tivesse o direito e a legitimidade de continuar como presidente do PSD — tinha-os até pela vitória nas legislativas de 2015. Foram-no, porque o líder do PSD nunca conseguiu acertar o tom como líder da oposição e, sobretudo, porque foi manifesto que não percebeu a mudança política que se operou no país após as legislativas. Uma transformação em que a radicalização à direita da sua governação teve como resposta a radicalização à esquerda, através de uma inédita aliança entre o PS, o BE, o PCP e o PEV, que catapultou António Costa para primeiro-ministro.

A incapacidade de perceber o que tinha acontecido levou Passos a acreditar que a crise ia rebentar de novo. Até anunciou a vinda do diabo. Ao mesmo tempo acreditou que o Governo cairia e que haveria legislativas antecipadas antes das autárquicas, assumindo uma clara desvalorização das apostas do PSD nas eleições locais. Mas soube escolher o momento da saída pelo seu próprio pé e fê-lo com dignidade.

Antes de Passos se arrastar à frente do PSD na oposição, há o mandato como primeiro-ministro. E se o final que escolheu não ficará na história ou será nela apenas uma nota de pé de página, a verdade é que o seu consulado à frente do Governo fez história, para o bem e para o mal.

É certo que a dirigir do Governo Passos revelou frieza e até insensibilidade social e política. São múltiplos os exemplos, mas basta referir as suas declarações de que os portugueses não podiam ser “piegas”, que viviam acima das suas possibilidades ou a sua assertividade a garantir que o seu Governo queira ir “para além da troika”.

Passos revelou, no entanto, uma determinação, uma coerência e uma solidez de liderança que têm de ser reconhecidas, por mais que se tenha discordado de muitas das suas opções — como fiz ao longo de mais de quatro anos nesta coluna de opinião. A realidade é que Passos foi eleito à frente da coligação PSD-CDS e designado primeiro-ministro pela maioria parlamentar ganhadora das eleições de 2011, no momento em que o país estava em situação de pré-bancarrota e em que as finanças públicas tinham acabado de ser viabilizadas por um acordo entre o Governo do PS de José Sócrates — cuja gestão financeira e económica conduziram à derrapagem orçamental — e a troika da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional. Portugal recebeu um empréstimo de 78 mil milhões de euros, mas ficou obrigado a cumprir um caderno de encargos penalizador dos cidadãos, sobretudo dos trabalhadores por conta de outrem, que viram o seu poder de compra drasticamente reduzido.

Para além de cumprir a agenda imposta pela intervenção externa, Passos revelou capacidade de liderança efectiva também quando recusou aceitar a demissão “irrevogável” de Paulo Portas. E manteve-se no poder conseguindo cumprir o objectivo de ver a troika sair de Portugal a 17 de Maio de 2014. Mais, atingiu a proeza de ver os indicadores económicos começarem a subir, o que lhe garantiu a credibilidade política de, contra as expectativas gerais, voltar a ganhar legislativas, ainda que em minoria.

Passos sai assim da liderança do PSD com um capital político. Para mais quando o tempo em política relativiza a acrimónia do eleitorado. É por isso que o adeus de Passos agora pode ser um até já. Não só no plano partidário, mas também no nacional.

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