Uma visita de ondas
Em três dias foi como se estivéssemos em três oceanos separados.
A nuvem debaixo da qual vivemos distraiu-se e deixou-nos fugir para o brilho manso e morno do sudeste algarvio. Só parámos na Praia do Cabeço, eram quase oito da noite, para nos tornarmos ingredientes da sopa de algas que lá se servia.
Estava a começar o Levante, trazendo ondas enroladas e espumas bravas. As algas eram pequenos quadrados de seda verde-garrafa. Uma delas, o único contrabando no meio daquele mar de felicidade, até era picante.
Pensámos na sopa que na nossa casa, àquela hora, comemos todas as dias. E, mergulhados na outra ponta do nosso oceano, rimo-nos das nossas figuras lá em casa, onde as tínhamos deixado.
É bom fugir de onde se está lindamente. É bom saber que é bom o sítio para onde se terá de regressar. Só assim se pode apreciar os lugares para onde se vai. Não é por não estarmos em casa que estamos deslumbrados: é porque é deslumbrante o que vemos.
No dia seguinte o Levante ficou furioso. A bandeira era amarela mas os nadadores-salvadores não tiravam os olhos das pessoas que se metiam ao barulho do mar. As ondas ferviam de força e metiam medo. Mas a temperatura aprazível da água dava-nos volta à cabeça, puxando-nos para dentro dela.
Os sábios aconselhavam paciência. No dia seguinte o Levante levaria as ondas más e deixaria ficar as boazinhas... e a mornidão.
Assim foi. Logo de manhã, pouco antes do meio-dia, aprendemos como é encantadora a ressaca do Levante algarvio. É a irmã marítima e líquida dos arrebóis do verão. Sim, é verdade que o Algarve é sempre igual: é sempre igualmente bom, mas das maneiras mais diferentes e deliciosas que há.
Em três dias foi como se estivéssemos em três oceanos separados. Foi como se o Mediterrâneo e o Atlântico se tivessem zangado, feito as pazes e depois cada um tivesse voltado para casa, mais satisfeito do que antes.