Banif! Mais uma viagem!... Mais uma corrida!...
Sempre tive pela banca em geral e pelos bancos de que fui cliente em particular (porque os conheci melhor) uma profunda desconfiança. Esta desconfiança não tem a ver com os resgates do BES ou do BANIF, nem com os escândalos do BPN e do BPP, nem com as confusões do BCP, nem com as dificuldades da CGD, nem com as atribulações do BPI e muito menos com a falência do Lehman Brothers, porque nasceu muito antes de tudo isso - ainda que todos esses episódios a tenham confirmado mil vezes e reforçado em muito.
A minha desconfiança nasceu, simplesmente, da minha experiência como cliente e deveu-se, antes de mais, à enorme opacidade para os clientes de todas as operações que dizem respeito à actividade bancária e até das que envolviam o meu próprio dinheiro.
Tenho sobre isto dezenas de histórias para contar - algumas das quais deram origem a queixas aos bancos em questão, ao Banco de Portugal e à CMVM. Todas as queixas, sem excepção, deram origem a respostas onde me era garantido, sem qualquer análise séria, que os bancos em causa tinham agido ao abrigo da norma XPTO/82, que era, como se adivinha, precisamente a razão da minha queixa. Seria cómico se não fosse trágico.
Sugeri uma vez (já não me recordo a que entidade submeti essa reclamação, que fiz por escrito) que os gestores de conta dos bancos tivessem, na parede por trás de si, em cima da secretária e na correspondência que trocam com os seus clientes, um aviso bem visível com um conteúdo do tipo “ATENÇÃO: O seu gestor de conta é um funcionário do banco X que tem como únicos fins maximizar o lucro do banco X e atingir os objectivos individuais que o banco lhe impõe em termos de produtos vendidos. Se o seu gestor de conta lhe disser que todos os conselhos que lhe dá visam exclusivamente aumentar os seus rendimentos e a sua segurança financeira, não acredite”. Não se trata de uma brincadeira. A verdade é que os gestores de conta garantem sempre aos seus clientes que existem para defender os seus interesses (dos clientes) quando isso é redondamente falso. Será verdade para um médico, que está obrigado por um código deontológico protegido por lei, que o obriga a colocar os interesse do doente acima dos interesses da organização onde trabalha, mas é falso para os gestores dos bancos e, quando estes o garantem, mentem.
Há uns anos, já depois da crise de 2008, recebi uma quantia em dinheiro que depositei no banco e dei instruções ao meu gestor de conta para amortizar a hipoteca que tinha contraído para comprar um apartamento. O meu gestor de conta tentou convencer-me a não amortizar e a investir o dinheiro na Bolsa, garantindo-me resultados que qualquer pessoa que lesse jornais sabia que eram irrealistas, para dizer o mínimo. Demorei dias para o forçar a fazer a amortização (forçar é o termo adequado) porque ele repetia que a minha decisão não era inteligente e insistia, contra a minha vontade reiterada, em dar-me tempo “para pensar”. Penso muito vezes nesta cena, quando vejo os “lesados do BES” contar como lhes garantiram que os seus investimentos em papel do GES estavam garantidos e eram apenas “depósitos a prazo”. Não tenho a mínima dúvida de que muitos sucumbiram a uma pressão excessiva dos seus gestores de conta. E é evidente que a actuação generalizada dos gestores de conta não se deve à sua iniciativa pessoal mas é parte da estratégia dos bancos, que formatam os seus sistemas de incentivos internos de forma a gerar este excesso de zelo.
Um vez, um gestor de conta riu-se com gosto quando lhe disse que só investiria num fundo se pudesse saber exactamente o que eles fariam com o meu dinheiro. Era impossível, explicou-me com paciência. Será, mas saber para que fins é usado o dinheiro que depositamos no banco ou investimos na bolsa é um direito de qualquer cidadão. Sem essa transparência, o nosso dinheiro será usado para financiar o terrorismo e promover a guerra, o tráfico de drogas e de armas, a escravatura e o tráfico de pessoas, a ruína de países e a fome de milhões, depois de circular por paraísos fiscais que as autoridades nos dizem que não podem fiscalizar. (É verdade que não podem, mas apenas porque não querem.)
A questão é que existe na banca uma cultura de impunidade que é preciso destruir. Os bancos e os banqueiros, que continuam a apresentar-se e a ser apresentados como organizações honestas e como pessoas de bem devido ao seu poder, habituaram-se a ser ilibados de todos os crimes e a pagar multas irrisórias mesmo quando esses crimes têm proporções gigantescas. E a mesma impunidade aplica-se aos reguladores, sempre cegos e surdos e apanhados de surpresa. Veja-se o que aconteceu na crise do subprime ou no escândalo Libor.
A nova comissão parlamentar sobre o Banif abre mais uma janela de esperança. Vamos ficar a saber um pouco do que se passou. Mas o que é necessário é que os factos apurados dêem origem a leis e a regras que evitem que os crimes se repitam. É essa a responsabilidade dos deputados. Não apenas fazer de detectives.