Ex-director de investigação do SEF arguido nos vistos gold

Responsável é suspeito de ter avisado o antigo director do SEF de que iria ser alvo de buscas. Secretário de Estado fez uma declaração aos jornalistas no Parlamento para negar ter assinado despacho para isentar de IVA empresa visada no caso.

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Documentação forjada servia para obter legalização junto do SEF Rui Gaudêncio

O ex-responsável da Direcção Central de Investigação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Paulo Nicolau, foi constituído arguido no caso dos vistos gold esta quarta-feira, garantiu ao PÚBLICO fonte policial. O inspector superior foi notificado durante as buscas levadas a cabo à direcção regional do SEF em Lisboa pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ e pelos procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal.

O inquérito em que é visado resultará de uma certidão extraída do processo-mãe e estará relacionado com crimes de violação do segredo de justiça. Na véspera da operação, durante a qual veio a ser detido o então director nacional do SEF Manuel Jarmela Palos, Paulo Nicolau tê-lo-á avisado das buscas que o iriam visar, suspeita o Ministério Público. O aviso chegou quando Jarmela Palos estava numa cerimónia oficial nos Açores através de um telefonema e vários SMS. Nas escutas captadas pela PJ, Paulo Nicolau terá dito a Jarmela Palos que “aquilo é para amanhã” e referido números que os investigadores do processo associaram à quantidade de buscas ou de detidos previstos para a operação, noticiou em Abril a revista Sábado.

Dois meses depois, Paulo Nicolau saiu da direcção do SEF depois de ter colocado o lugar à disposição quando o novo director do serviço, o juiz-desembargador Beça Pereira, tomou posse.

A operação desta quarta-feira envolveu buscas nos serviços da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, liderada por Paulo Núncio, noutros serviços do Ministério das Finanças, no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e ainda em “diversas empresas e residências particulares”, segundo a Procuradoria-Geral da República. No total, contaram-se 34 buscas. Na direcção regional do SEF em Lisboa, a chegada da PJ criou alguma tensão entre os inspectores do SEF indignados com o facto de os colegas da Judiciária terem arrombado algumas gavetas, adiantou fonte policial. Estariam à procura de processo relacionados com a atribuição de vistos gold a cidadãos chineses e líbios. A PJ apenas saiu do SEF em Lisboa pela 1h de quinta-feira.

Em causa estarão irregularidades relativas ao tratamento fiscal, em sede de IVA, quanto a uma transacção entre uma empresa portuguesa e o Ministério da Saúde líbio. No final de 2012 e já em 2013 viajaram para Portugal centenas de doentes líbios, incluindo feridos de guerra, que receberam tratamento em hospitais privados portugueses no âmbito de um protocolo entre o Governo português e o Governo Líbio. O acordo passou pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, tendo o SEF tido um papel importante no escrutínio dos vistos humanitários.

Até Março deste ano, foram atribuídos 36 vistos gold a cidadãos líbios, adiantou ao PÚBLICO a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, que divulga mensalmente estes dados recebidos do SEF. A maioria dos vistos, porém, continua a ser atribuída a cidadãos chineses (1840), seguidos pelos brasileiros (81), russos (73) e cidadãos da África do Sul (55).

Paulo Núncio reagiu esta quinta-feira a notícias que o envolvem nessas irregularidades. Depois de uns longos minutos em que parecia estar a ensaiar a sua declaração, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais precisou de apenas 60 segundos para garantir que não emitiu nem assinou qualquer despacho relacionado com empresas ligadas ao processo dos vistos gold.

Mas a verdade é que esta garantia teve que ser inferida pelos jornalistas que o ouviram nos Passos Perdidos, no Parlamento. Porque Paulo Núncio não citou um único nome nem fez qualquer referência directa a que processo se referia. E não respondeu a perguntas.

"Gostava de aproveitar esta oportunidade para vos dizer que, ao contrário do que foi hoje noticiado, não emiti nem assinei qualquer despacho relativamente a qualquer empresa no âmbito do processo em curso, pelo que a notícia que hoje foi conhecida não tem qualquer fundamento", afirmou Paulo Núncio frente aos microfones e câmaras.

O governante referia-se à manchete do Correio da Manhã - "Núncio perdoa IVA a Lalanda", onde se afirma que o secretário de Estado "despachou favoravelmente" um perdão fiscal em sede de IVA relativo a uma transacção entre a empresa Intelligent Life Solutions, gerida por Lalanda de Castro, e o Ministério da Saúde líbio.

"Gostaria também de aproveitar esta oportunidade para reiterar que o Ministério das Finanças e a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais continuarão a colaborar com a investigação em curso no sentido de obter um esclarecimento cabal deste assunto o mais rapidamente possível", acrescentou, retirando-se seguido pelos três assessores com quem estivera a combinar a sua intervenção.

Contactado pelo PÚBLICO para fornecer mais esclarecimentos, Paulo Núnciou recusou prestar mais declarações.

Marques Guedes sublinha isenção da justiça

A propósito das buscas realizadas na quarta-feira no Ministério das Finanças, também o ministro da Presidência se pronunciou no final do briefing do Conselho de Ministros, para defender que o Governo PSD/CDS-PP ganha credibilidade ao não obstruir a justiça, alegando que nem sempre foi assim no passado.

Luís Marques Guedes referiu que, segundo as informações de que o executivo PSD/CDS-PP dispõe, essas buscas "não têm que ver com os vistos gold", mas "com um processo relacionado com o IVA", e envolveram "um computador de um colaborador do senhor secretário de Estado dos Assuntos Fiscais", Paulo Núncio.

Remetendo "qualquer pormenor adicional" sobre este assunto para o Ministério das Finanças, o ministro da Presidência considerou: "A credibilidade deste Governo só sai acrescentada de cada vez que os portugueses percebem que a lei passou a ser igual para toda a gente e que a justiça age de uma forma perfeitamente independente, e que aquilo que cabe aos responsáveis da Administração Pública, mesmo a nível governamental também, é a total colaboração, a total disponibilidade para colaborar com a justiça".

"Eu acho que isso só credibiliza a ação do Governo", reforçou o ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares. "Não foi sempre assim no passado", alegou.

Marques Guedes ressalvou que "a colaboração com a justiça não é à partida uma condenação, nem é um reconhecimento de qualquer tipo de culpa".

Em resposta aos jornalistas, o ministro da Presidência enquadrou as buscas realizadas na quarta-feira "no âmbito de uma investigação policial que tem que ver com um processo relacionado com o IVA" e referiu que "a Polícia Judiciária entendeu ter de consultar ou obter dados de um computador de um colaborador do senhor secretário de Estado dos Assuntos Fiscais".

Isto é "aquilo que o Governo sabe, precisamente porque o Governo hoje em dia não interfere na justiça", frisou o ministro, acrescentando: "E a disponibilidade para esse computador ou qualquer outro computador da parte do Governo não pode deixar de ser outra senão disponibilidade total. Foi isso que foi feito".

"Acho que isto acrescenta credibilidade, e não que retira credibilidade", concluiu, sustentando que "a credibilidade ganha-se exactamente por não obstruir a justiça, por colaborar com a justiça e por estar sempre disponível para apurar a verdade e fazer com que a lei de facto seja igual para todos os cidadãos e para todas as entidades". com Rosa Soares

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