Um país de corruptos e de minhocas
Os portugueses são corruptos? Os nossos dirigentes e políticos são corruptos? São mais corruptos do que os corruptos dos outros países? O Eurobarómetro da Comissão Europeia diz que para 90% dos portugueses a corrupção é um fenómeno generalizado, uma das percentagens mais elevadas entre os 28. Mas há quem pense o contrário. Ainda todos se lembrarão desta frase assertiva de Cândida Almeida, dita em 2012, na altura directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP): “O nosso país não é um país corrupto, os nossos políticos não são políticos corruptos, os nossos dirigentes não são dirigentes corruptos. Portugal não é um país corrupto. Existe corrupção, obviamente, mas rejeito qualquer afirmação simplista e generalizada de que o país está completamente alheado dos direitos, de um comportamento ético [...]."
Não sei se somos um país muito ou pouco corrupto, mas nos últimos tempos onde a Justiça tem mexido sai uma minhoca (esta expressão também é de Cândida Almeida, que a usou a propósito do caso BPN). Se calhar, a Justiça passou a escavar onde antes não escavava. Se calhar, temos mais minhocas. Se calhar, a crise secou a terra e obrigou as minhocas a exporem-se mais. Sucedem-se todos os dias casos de buscas, investigações, detenções, prisões e condenações de banqueiros, políticos, altos quadros do Estado, gente poderosa que não estávamos habituados a ver a braços com a Justiça.
Ainda ontem, a PJ fazia buscas na casa de Ricardo Salgado e de outros membros do clã Espírito Santo, num caso que envolve suspeitas de crimes de burla qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, etc. Como se os casos BES, BCP, BPP e BNP não bastassem, ontem o jornal i também dava conta de que o presidente do Banco Finantia e mais uns quantos foram condenados pelo Banco de Portugal numa história que envolve alegada falsificação de contabilidade, offshores e prestação de informação falsa. Isto tudo na semana em que pela primeira vez na história da democracia portuguesa um ex-primeiro-ministro é detido, por suspeitas de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais.
A Justiça já não tem mãos a medir. Quem na PJ inventa os nomes de código para apadrinhar todas estas investigações um destes dias ainda se arrisca a ganhar um prémio literário: é a Operação Furacão, é o Monte Branco, é a Operação Labirinto, é o Remédio Santo, é a Face Oculta... A operação de detenção de José Sócrates foi apelidada de Marquês. Mais inspirado estivesse o funcionário da Judiciária e talvez lhe tivesse dado o nome de Operação Último Tango em Paris. Mas não se pode pedir mais a quem tantos nomes tem inventado.
São casos atrás de casos. E é caso para dizer cada cavadela, cada minhoca. As minhocas não apareceram hoje. Sempre tivemos corrupção. No futebol, nas autarquias, na construção, na política, etc. A Justiça é que se calhar está mais competente. Tem mais meios, há maior articulação entre a PJ e o Ministério Público, está mais bem preparada para combater crimes de maior complexidade, e, se calhar, tem mais vontade. Não muito longe vai o tempo em que procuradores do Ministério Público no caso Freeport argumentavam ter ficado sem tempo para fazer 27 perguntas ao primeiro-ministro.
Hoje, a Justiça parece estar a funcionar melhor. E não devemos ficar melindrados por elogiar a Justiça. Naturalmente que ficamos sempre de pé atrás. Como diz o ditado, gato escaldado tem medo de água fria. Mas a verdade é que temos assistindo a casos inéditos na Justiça que nos fazem pensar não numa decadência de regime, mas na sua regeneração. Por exemplo, o crime de tráfico de influências passou a fazer parte do nosso Código Penal desde 1995. É possível que até agora só Armando Vara e os amigos da Face Oculta tenham sido condenados à prisão pela prática deste crime? Como dizia Germano Marques da Silva ao Expresso, "o tráfico de influências não é mais do que uma cunha remunerada. E nós somos um país de cunhas”.
A Justiça, para ser respeitada, também tem de se dar ao respeito. É urgente travar casos flagrantes de violação do segredo de Justiça. Quando chegou, Joana Marques Vidal fez do combate à violação do segredo de Justiça uma bandeira. Continua a meia haste.
E muito daquilo que se pensa que é o caso BES e o caso Sócrates também nos leva a pensar que a Justiça para funcionar melhor também precisa de mais ajuda do poder legislativo e do poder executivo. Quando os sucessivos governos criam regimes como o RERT — Regime Excepcional de Regularização Tributária, que não são nada mais do que gigantescas máquinas de lavar dinheiro, estão a dificultar o trabalho à Justiça, que fica assim impossibilitada de abrir um procedimento criminal ao dinheiro que é repatriado para Portugal. E também ajudava se houvesse um consenso no Parlamento para criminalizar o enriquecimento ilícito. Quem está na política ou exerce cargos públicos não deveria temer a inversão do ónus da prova. Para quem tem o dinheiro, é fácil provar a licitude da origem do dinheiro. A não ser que lhe tenha caído do céu ou seja de origem ilícita. E para a Justiça pode ser extremamente difícil fazer o contrário, ou seja, provar a sua ilicitude.